Uma noite para ser dormida
Uma vida a ser vivida
Um quadro que se apaga com a luz
O vento que o som produz
Me canso de viver
Mas nao passo sem dormir
Escrevi na pedra o seu nome e joguei
Me joguei nas pedras e o seu nome gritei
Afastei os moveis, procurando o diacho
Respirei fundo no riacho
As almas passeiam sem medo
Tentam entender os desejos
Foram homens e mulheres
E seus coracoes feridos a partilhar
Que enlouqueram as geracoes
De mae pra pai e de filha pra tia
Agora penso, é melhor buscar
Do que esperar, vendo o tempo passar eu adoeci
Sentindo o olho fechar me adormeci
Entre beijos numa lavoura
Entre cartas de uma masmorra
Escuri o meu dia pra clarear de noite
Resmunguei e cuspi
Engoli e resignei
Cantor de meia voz
Esquece o tempo e cansa do assento
Foi embora agora quem queria ficar.
29 outubro, 2010
ha pedras para apedrejar
21 outubro, 2010
quando eh pra ir embora?
Meu despertador eh a batida do coracao. Ele me acorda por dentro e mesmo durante o dia, enquanto sonho acordado ele diz que eh possivel viver aquilo que criei e dah umas batidas mais fortes dentro do meu peito humano. Ele avisa pra viver agora o que deve ser vivido e entao se acalma lentamente e mostra a serenidade, que deve ser como a vida deve ser tocada.
Mas ele bate e bate, meu corpo se estremece como uma fina arvore no alto de uma colina, solitaria e exposta aos ventos que chegam de todos os lados, sem aviso eles sopram em meus ouvidos ruidos de pavor, e quanto mais fortes mais me atormentam. Ouco agora um ruido muito agudo invadindo meu ouvido esquerdo que me diz pra correr, correr dele, correr para onde?
Algumas brisas mornas se esforcam e me alcancam, nao pelos timpanos, mas pelos poros adentram, viram substancias em minha corrente sanguinea e alimentam meu orgao pulsante, tum tum como tambores, tum tum ele se pronuncia. A cabeca comeca a pesar e doer. Como se clamasse por algo substancial tambem. Agua, oxigenio.
Em certos momentos eh como se minha alma se negasse a viver dentro deste corpo, e procurasse pela falencia de meu cerebro, pelo ataque cardiaco fulminante. E tudo que eu peco eh um pouco de tranquilidade.
Estaria eu tao aberto e vulneravel ao mundo assim? Massacrado por bilhoes de vozes que clamam por paixoes que eu mesmo nao busco, mas que geram em mim tanta ansiedade, tanto desespero, que a resposta seria a letargia total?
Como poderia uma arvore correr, se a cada passo suas raizes devem ser cravadas na terra? Quao lento pode ser esse processo. Sao muitas lacunas para serem preenchidas nesses dias. A seiva bruta machuca de tao densa ao correr pelos veios, parece congelar deixando os musculos rijos agora. O orgao pulsante eh meu musculo principal, sinto-o pontiagudo, machucando por dentro, dilacerando a carne ao seu redor.
Correr, gastar, fazem o liquido vermelho ficar mais fino e quente. Mover os musculos para circular as energias, alma e corpo se dividindo e voltando a se juntar a cada dia, a cada noite. Procuro um lar, procuro um abrigo, fecho os olhos e vejo bracos onde estive seguro, bracos familiares. Me estico todo tentando alcancar uma pontinha, fazer acontecer novamente.
Tento trabalhar, mas a dor apenas piora, esse trabalhou que tenho tentado desenvolver por 10 anos parece minha maior prisao, talvez seja isso que minha alma tente fugir. E quando tento explicar pra mim mesmo em forma de palavras escritas, sinto a suave voz da liberdade me dizer, meu filho, vc nao eh deste mundo, mas seu trabalho eh necessario aqui e agora, um agora que parece truncado, perdido, doloroso, mas que um dia serah lembrado na velocidade de um piscar de olhos. Faca o que seu coracao manda, faca-se real sua vontade, seja ela de verdade desta vez e entao sua alma sentirah prazer em habitar seu pqno corpo. Sinta musica do mundo e uso o seu tremor para toca-la. O ritmo cadenciado de seu coracao serah o marca compasso.
E eh como se agora eu visse novos bracos se abrindo diante de mim e uma floresta enorme, com uma temperatura agradavel, cheiros indescritiveis e ruidos de folhas ao vento. Eh outono, penso eu, as folhas voam suavemente sobre minha vida e eu ainda pesado e preso ao solo clamo por um passeio.
Bracos me erguem e as folhas tomam formas de seres voadores, seres sem asas, mas ao mesmo tempo, todo asas. As folhas sao as almas destas arvores e alcancam a liberdade se despreendendo de tudo, inclusive de suas maes naturais, voam e voam, aproveitam cada brisa, cada tufao. Pois mesmo tendo medo e sendo arrastadas pra longe elas estao voando e se aprazem.
Me sinto jovem demais pra ser raiz e velho demais pra voar sem medo com as folhas.
As almas mais antigas sao as menos enraizadas e sabem viver no ar, e as mais jovens caem rapido virando terra, aguardam a volta morosa ao cume, mas ao mesmo tempo depuradora de sentimentos, onde os mais puros restam e os mais brutos caem entre furos de uma peneira que trabalha ao contrario, indo contra os principios materiais.
07 outubro, 2010
tum e tum
Caminho pela rua perfeita
Sem buracos, sem remendos
Caminho pela estrada vazia
Sem carros, sem corpos
Sem tropecos, sem quedas
Sem atropelmentos e esbarroes
A vida desaparece, assim
Pelos buracos procuro cair e encontrar um amor
Pelos remendos tendo trupicar e achar um amigo
Quedas e buracos nao trazem amor
Tropecos podem trazer amigos, aqueles que te dao a mao
A estrada perfeita inexiste
A sola do calcado se acaba
O teto vai ficando mais baixo
O ar mais pesado, custa a entrar nos pulmoes
Cada batida do coracao tem menos forca
Tum, tum
Tum e tum
Tum silencio tum
Tum ou .........
25 setembro, 2010
Todos os alfabetos do mundo
Por quantas vezes somos crianças? – Eu me pergunto.
Por quantas eu, tu, nós, vós e eles pelo mundo afora sentiram que estavam pequeninos diante da vida, diante de um universo que parece estar em constante expansão?
Sigamos então com ele, o universo. Este foi meu desejo ao deixar a pátria amada, tentar enxergar melhor o mundo em que vivemos, pois eu gostaria de provar mais de meu desejos, mostrar mais do meu modo de vida para pessoas diferentes e então, aprender com elas. Eu imaginava que existiriam outros modos de viver essa mesma vida. Do mesmo modo que o Planeta Terra é apenas um potinho no universo, eu me sentia um micróbio que não conhece o mundo.
Meu desejos foram ingênuos e simples, gostaria de vir e andar livre pelo velho continente, admirar as paisagens que conhecia apenas por fotos. Ouvir muitos idomas diferentes, aprender novas palavras e com elas novas sensações.
Mas, a partir do momento que eu decidi ficar e viver aqui, tudo mudou drasticamente. Eu ví, senti, que não estava realmente preparado. Poderia eu ter vindo antes do tempo? Não sei. Mas cá estou e todos os meus medos e receios estão a flor da pele.
Pensei, melhor será ficar e escutar o que eles tem a me dizer. Medo e receio me envolvem, algo me puxa de volta ao Brasil.
Ando pelas ruas como uma criança, muitas vezes tendo que pedir para um amigo me ajudar com algo simples, como se fosse eu a criança agora pedindo a um adulto para me explicar o que aquela outra pessoa tanto disse.Eu não conheço as palavras, mas conheço os sentimentos, porém isto se fundo e começo a achar que não entendo nada mais. Como funcionam as leis aqui? Estou sendo mal educado? Pessoas são pessoas? Compartilham das mesmas necessidades?
Lembro que quando aprendi a ler, eu vi um mundo novo brotar diante de meus olhos, eu saía de carro com meus pais e ia lendo todas as palavras que me eram apresentadas. Vitrines, letreiros, outdoors, mesmo que eu nada entedesse eu tinha o poder da leitura. E esse novo mundo das palavras veio a frente, ganhou foco.
Outro dia no U-bahn senti a mesma coisa, o mesmo sentimento, tudo que estava desfocado veio a frente e eu comecei a ler e reler, mesmo que nada entendesse. Era eu novamente a criança. Ganhei o direito de recomeçar uma vida aqui. Porém meus pais agora são as pessoas do mundo. Muitas não conheço porém me ajudam como se fossemos parentes de sangue, outras brigam comigo, dando educação.
A criança do mundo, eu, entendo e aceito minha condição, essa chance. Confesso que eu sempre quis isso pra mim, não me agrada a ideia de crescer rápido e me ver um adulto prematuro. Gosto de estar apto de verdade, dizem que cada um tem seu tempo. Assim como todas as flores escolheram a primavera, devem existir outras que preferem dias mais difíceis para mostrar seu encanto ou para aprender a se mostrar.
Há um espaço vazio à minha volta, e à mim ele pertence. E vou tentando expandir, vou falando bem devagar, vou tropeçando e levantando. Vou amando mais meu país e sinto que ele nunca vai me deixar. Peço perdão por ter falado mal dele. Pois agora entendo-o muito melhor.
Leio e releio tudo como uma pequena pessoa, estou me alfabetizando, assim como quando comecei a aprender a ler música, dentro das 5 linhas do pentagrama, também me via pronunciando sílaba após sílaba, nota após nota. A melodia estava alí no papel esperando por ser cantada, mas a fluência viria apenas com o tempo, com a dedicação. E assim sigo vivendo agora. Se no Brasil eu já andava, corria, cantava e sorria. Imagine o que é voltar a engatinhar, dar lentos passos, tropeçar feito uma pequena criança que olha ao redor, chora e clama por ajuda.
Ando pelas ruas tentando me encaixar aqui, não que eu procure um novo grupo, mas me encaixar comigo mesmo, me sentir natural dentro deste novo habitat, pois só depois disso eu naturalmente serei absorvido.
Parado estava observando o mundo correr quando veio um ser falar comigo, e eu aprendi uma nova linguagem! Um ser pequeno, como eu, coberto com uma roupa diferente, coberto de penas e com olhinhos miúdos, patinhas fininhas quase escondidas no corpinho redondo. Sim, um pássaro veio me falar, ele me olhou assim meio de lado, na certeza que eu entenderia seu apelo. Fiquei pensando nele, imaginei que palavras eu não deveria usar para me comunicar, então ele deu o primeiro passo na conversação e voou para perto de meu rosto. Eu estava comendo sorvete de casquinha e com esse ato ele me fez entender o que queria e as palavras brotaram em meu pensamento: “você quer compartilhar do alimento, meu amigo?”. Entendi! Quebrei uma lasquinha da casquinha e coloquei sobre a quina do canteiro de flores onde estávamos. Ele teve receio, saiu um pouco de perto, mas veio logo e bicou a lasca do alimento sem receios por eu estar ali pertinho. Me olhou novamente pedindo um teco mais, e claro, agora já falávamos a mesma língua. Dei-lhe um pouco mais e comemos este resto juntos. Ele agradeceu e foi-se embora voando. Eu também agradeci a prosa e fui embora sorrindo.
Essa lasca de vida eu peço a todos vós, que deem sempre, seja em forma de palavras, seja em carinho, seja com um sorriso mesmo. Pois cá estamos juntos dentro da enorme bola terrestre, e falamos a mesma língua, sim, todos falamos o mesmo idioma.
E ao final eu digo, é um enorme prazer, nascer de novo, dentro da mesma vida!
31 agosto, 2010
Volume
- Mamae, to saindo pra rua! Gritou Suzete.
- Filha, voce lavou a cabeca? Disse a mae com voz de descaso obrigando a filha a voltar e tentar entender.
- Mae minha, ja te falei que nao posso lavar a cabeca agora e sair, é frio e pode fazer mal, sem contar que meu cabelo vira uma explosao de pelos.
-Filha, entao nao saia, sair nao é mais importante que uma cabeca cheiros pra mamae!
Suzete comecou a ter xiliques e tremiliques, xispou correndo pras ruas e largou a mae a bordar, abordar o pai, a bordar um gorro, e o pai respondeu:
- Deixa a minina, ja nao basta esse nome que voce a fez carregar, todos na rua ja devem fazer piadas maldosas, enquetes com o nome de Suzete.
- Por isso mesmo que eu mando ela lavar a cabeca toda noite, pra segurar a bixa em casa, de cabelos armados e sem piadas com Suzete repete, cospe chicrete, e por ai vai...voce sabe.
Dondocas gritavam nas ruas, guris pisotevam o chao como se fossem empurrar o planeta pra baixo, se divertindo mais do que seus pais podiam imaginar.
Suzete era uma das dondocas, e seu cabelo ensabadinho estava bem comportado ate que Giusepe lanca uma bomba dagua revestida de latex. Quase estourou na cabeca da guria. Ela ficou entao tensa com a possibilidade, andou pra perto dele braba este, peste, lascou lhe um beijo em seus labios joviais e ao deixar Suzete atordoada comecou a gritar, Suzete me fez um boquete infinitas vezes, todos riam a esmo mesmo que nem soubessem o real significado.
- Suzete gosta de chiclete, gritou Giusepe, e grampeou-lhe uma goma nos cabelos da guria, e na sequencia pediu perdao.
- Perdaoooo? Isso nao salva meu cabelo, e agora?
- Agora eu te lavo, e lascou o latex inchado com agua em sua cabeca.
Tudo rebentou, e Suzete correu pra casa antes que sua cabeca de chiclete virasse uma selva peluda.
Chegando no lar sua mae a esperava com a tesoura em maos e disse.
- Vem ca que eu dou um jeito nisso.
Suzete crente, cabeluda, achou que sua mama ia remover a goma.
Eis que sua cabeca surge rodopiando na maquina de lavar, vendo tudo girar, sem acao ouviu um voz estridente da mae:
- Eu falei Suzete, eu falei pra vc lavar essa cabeca, eu disse antes de vc sair, e agora?
Agora o corpo jazia o chao enquanto a maquina lavaria a cabeca de Suzete dia apos dia.
27 agosto, 2010
Rachado
Vc gosta mesmo de uma corporacao bem cheirosa, com mto cheiro de cimento, marmore, carpet novinho, cola de sapateiro, terno ensebado de tanto usar no calor de SP, sapatos engraxados de solas gastas e tortas, homens carecas e de costas peludas, bafo de dente podre e cigarro misturado com cafeh, bexiga doendo, almocos lotados, esbarrando os bracos nas mesas apertadas da vila olimpia, cheiro de rango requentando o dia todo, assuntos inuteis e piadas infelizes, ideias infaliveis que te fazem sonhar com as terras altas da escocia pra fugir pra bem longe, ou entao um pulo de bungee jump na nova zelandia ou ainda comprar uma faca bem afiada e degolar certos pescoços e ouvir o som do sangue vertendo em pequeninas ondas enquanto vc come seu pastel pq ganha mal pra pagar um almoco decente todo dia.
08 agosto, 2010
Seja bem vindo
Desde que chegamos ao planeta Terra estamos tendo problemas em nos apresentar, em saber onde ir buscar nossa felicidade, onde somos bem vindos afinal?
Filhos que nascem e logo são largados nas latrinas e sarjetas, amores que são recusados em troca de qualquer outra gorjeta. E então, pra onde ir agora? Talvez um novo estado, uma nova rua em um outro país...talvez ao chegar eu consiga distinguir no meio daquele povo alguem que me diga, seja bem vindo meu irmão, seja bem vindo ao meu coração.
Irmãos que desejam mutuamente as quantias materiais e outros luxos entre sí próprios...casais que se uniram e agora buscam estar o mais distante possível em suas mentes. Sonhos partidos, distantes ao infinito. A era que já era, a parte que se parte, a volta que nao volta mais.
Entre safras, entre um e outro, entre lá e cá, o que importa agora é saber viver com o que temos. Viver com o que temos é pra mim o mesmo que construir e criar, passou a fase de angariar bens, cavar fundos e preenche-los, de querer ter mais. Criar com o que temos agora é por em prática tudo que somos, é realmente encontrar o caminho dentro de nossa própria confusão existencial. É desatar o novelo de lã e esticar entre os irmãos de coração para um nova trama.
Quantas peças você ainda tem? Quantos acordes você conhece para montar uma canção? Eu sinto lá bem no fundo um clamor, pode ser uma orquestra tocando, pode ser um ruído de fome estomacal, pode ser um bater na porta, mas é o som que te faz acordar pra vida e construir o dia de hoje. Bagagem todos temos e sempre trazemos. Futuro todos temos garantido. O que falta é agora, é dar a mão pro primeiro que pedir e seguir rumo ao desconhecido.
Nesta jornada não vejo pessoas se perdendo, mas se encontrando; não mais com doentes, mas entes queridos; não mais indo visitar camas, mas campos; não mais escavando o solo em busca de pedras, mas plantando sementes que crescem na velocidade em que os rios correm pelo mundo: nossa casa, mais arejada e iluminada, pelo sol , pela lua, e, toda rua que puseres o pé, é tua!
15 junho, 2010
Todavia
Estava tudo bem, todavia, não seria pra sempre
Toda via tem sua direção
Toda regra, sua exceção
Toda vida, sua decepção
É sempre um caso de descaso
Caso e descaso
Calço e descalço
Toda a vida eu pensei
Que seria como se fosse como todos
Seria como todos são
E todos estão doentes
Tudo que eu achei eu perdi
Desisti, e investi em ti
Agora jogado fora, procuro uma nova escola
Uma nova praça para estar
E me sinto novo, pra de novo começar a amar.
11 junho, 2010
Embora
Embora ele tenha ido,
Embora ele não foi.
Embora tenha vivido menos,
Agora queria ver mais.
Ele partiu, em busca do desonhecido,
E descobriu, pessoas são pessoas.
Mas embora ele continue, indo,
Agora ele se vê, sendo,
Mais tarde ele deve regressar .
E mesmo estando ele de volta,
Muitos ainda dirão que ele foi, embora, pra nunca mais voltar.
26 março, 2010
Espaço para respirar, espaço para acomodar, confortar
Exaurida, ela buscava abrir espaço para chegar ao ponto de ônibus, já não sabia se as calçadas eram apertadas ou se a população tinha engordado em volume e quantidade. Poças d'agua estavam ali como obstáculos a se transpor, e ondas de água cinzenta vinham das ruas. As grandes latas de sardinha vinham lentas, transpunham semáforos lentamente, era incabível, mas paravam no verde, e não podiam passar enquanto vermelhos?
Assim, elas se arrastavam ponto a ponto e as sardinhas subiam, elas ainda tinham suas cabeças, mas dentro da mente desta garota eram apenas peixes estúpidos, para entrarem numa lata tão apertada, que se deslocava mais lentamente que passos dados em um asilo, por pernas enrugadas.
Doída, quase doente, foi se arriscar a pegar uma lata velha, compartilhar virus, cheiros, desgostos de um dia inteiro. Se um dia parece tão longo assim, que dirá vivermos 80 anos?
Morar numa cidade confusa assim mexe com as cabeças, mexe com o psiquico das pessoas, elas são obrigadas a correr todos os dias com seus trabalhos, tudo deveria estar pronto ontém, mas na hora de ir embora, o caos impera, e as rodas lentamente se movem. Como fica a ansiedade, pensando nos afazeres do lar? Como fica a fome, viajando de estomago vazio.
Não estava nem perto ainda do ponto de descida, mas ela apertou o botão, encolheu a barriga, chutou muitas canelas com seu sapato de bico duro, com as respiração ainda presa, desceu os 2 degraus da condução.
Ao descer não sabia porque ainda se sentia mal, teve que gritar, e ao abrir a boca sentiu um ar mais fresco entrar, só então, lembrou-se de respirar fundo. Usou pedaços esquecidos do seu pulmão, foi mais que agradável aquilo, foi tão celestial que pensou se poderia fazer de novo. E vez! Soltou o ar lentamente, mas fazendo força, e sorveu para dentro novamente todo esse material invisível e gratuito por vezes esquecido.
Muito bem, ela agora tinha espaço em volta para caminhar e sabia que os pulmões estavam funcionando. Sem medo de inalar qualquer cheiro agressivo, saia tocando plantas, e estas respondiam com aromas da noite. A fome era grande, mas aplacada por uma sensação de tranquilidade. Passava ela ao lado de vendedores de milho cozido, barraquinhas de lanches, tudo isso ia alimentando através do oxigenio.
A liberdade adquirida lhe deu forças e coragem de pensar, e seus desejos lhe conduziram ao cinema mais próximo. Adentrou ao shopping, novamente um certo pânico ao ver lojas cheias, o que por um lado foi bom, não a afastou dos planos de ir verificar a programação das salas de cinema.
A regra que lhe veio a cabeça foi, vou escolher a proxima sessão, não importa o filme, e não quero me sentar sozinha.
Foi a frente do caixa e passou os olhos pelos horários sem se preocupar com os contéudos que seriam exibidos. Escolheu o mais próximo da hora corrente, comprou o ticket, comprou pipocas e um balde de refrigerante.
Sala vazia, qual mesmo nome do filme? Não importava, estava ela analisando os candidatos a sentar ao seu lado. Muitos casais, alguns velhos, muitos em turmas de amigos. Quase começando o filme, deveria ser o ultimo trailer e ninguem havia chegado perto dela. Seria o momento de tomar a atitude novamente?
Abandonar o barco é fácil, mas embarcar em outra...ela pensava, ponderava, somava A com B, a distancia de cada caminho...variáveis da vida.
Nessa confusão mental toda entrou um sujeito pela porta da sala do cinema, notou um espaço e ao chegar perto, recebeu um sinal, ela havia acenado que ao seu lado estava um lugar vago. Para lá se deslocou o sujeito, bem ao lado da garota e sua parafernalha de comer e beber.
O filme foi um lixo, o sujeito não era nada oculto, tratou de aparecer, comeu muitas pipocas, exalou seu bafo, bochechou com coca e grudou nos ombros da guria exaurida.
Problemas, abandonar o barco novamente, mesmo sem ter terminado a sessão foi ao banheiro, mas não pode voltar, era tarde da noite, shopping vazio, bateu uma certa depressão. Só lhe restava voltar ao lar.
Permitiu-se mais um instante de auto indulgencia e pegou um taxi, as ruas vazias agora lhe torturavam, ela estava um passo a frente das pessoas que iriam deixar a sessao de cinema. Mas era sempre assim que ela se sentia, um passo a frente ou 2 atras, tanto faz, isso a deixava sozinha sempre.
A opção taxi foi tomada, cochilou rapidamente, e ao abrir os olhos tinha sua porta aberta em fronte ao seu lar, lar, quer lar? Ah sim, seu buraco. Foi se esconder após pagar sem gorgetas.
Entrou debaixo das cobertas, o silencio nao era silencio, os ruidos externos apavoravam demais, metal sobre rodas, gritos de torpor, corpos cheios de combustivel, praças imundas, corpos cascudos se movendo sob arvores que tiveram a má sorte de nascer e prosperar em áreas sombrias.
O medo vinha de dentro, a rejeição parecia constante, uma rejeição sem palavras. Palavras, elas eram tão necessárias agora naquele quarto, palavras alí dentro, elas precisavam circular, parede com parede.
Ligou o som, ligou o computador, ambos conectados, um com todos os seus arquivos sonoros, e o som como voz para bits tocarem. Criou um play list inteiro com os melhores discos que tinha, e deixou as vozes ecoarem, quicando nas paredes e caindo dentro de seus ouvidos.
Estava eu alí com ela, estive acompanhando essa garota hoje desde que ela saiu de seu trabalho, e pude sentir suas angustias, pude sentir quando ela sentiu amor por pessoas que nem conhecia. Senti seu corpo respondendo enquanto ela comia um enorme bombom com muito chocolate.
Alí naquela noite, dentro daquele quarto pude sentir que nesta cidade haviam muitas garotas que deixaram seus lares, que largaram suas famílias, estavam sem a delicadeza de suas mães e sem a proteção de seus pais. E pensei que elas mereciam um bom homem junto delas, em seus quartos, um homem de voz suave e rouca, um homem no sentido digno da palavra que estivesse em pé olhando ela pegar no sono.
A voz rouca vinha das musicas que ela ouvia e se deliciava, este era seu homem no momento. Aos poucos ia aquecendo e abafando os ruidos assustadores da grande cidade. E ela foi posta para dormir.
Pedi permissão e adentrei em seus sonhos, queria completar o vazio de sua alma cansada.
Ela estava agora de volta a sessão de cinema, os trailers tinham passado e apareceu o título do filme : "Amor Acrônimo". Um sujeito entrou na sala, e cambaleante caiu na primeira poltrona livre. Um outro adentrou, subiu e subiu, passou por sua fileira, mas desceu, entrou e sentou ao seu lado, pediu licença e acomodou-se, tentando fazer o mínimo de ruidos possivel.
Ela, curiosa empurrava os olhos o máximo que podia, para espiar as reações e traços da face de seu distinto companheiro de sessão. Ele, por sua vez mantinha-se quieto, comportado apenas tentando se mostrar íntegro.
O clima era estranho, como se o ar estivesse transmitindo sensações aos 2, partículas reticentes iam e vinham, se envolviam, dançanvam e trocavam de dono. Mesmo sem que isso pudesse ser visto era sentido, dava vontade de piscar mais, a vista parecia turva, os pescoços começaram a se mexer e os olhares se cruzaram mais de uma vez.
Apesar de nada realmente aconcetecer para todos naquela sala, ela sentia conforto ao estar com ele ao seu lado. E assim prosseguiu o filme, a sensação era mais importante e imponente que qualquer atitude.
Finita a exibição, esperaram os créditos finais, atores empregados, músicas tocadas, e fim do rolo...levantaram-se lado a lado, sorrindo, achando graça daquilo que só eles sabiam.
Mão com mão grudaram então. Sairam da sessão meio amortecidos, ela se sentindo tranquila por não estar sozinha, e com um mão tão macia lhe confortando. Oferecia ela também sua mãozinha de guria pequena e frágil.
Ele se sentia responsável por aquele ato. Mas mais que isso, sentia também um conforto em sua alma, caminhavam ambos sobre colchões, olharam juntos para o chão do shopping e riram novamente, não falavam, apenas percorriam o caminho que muitas vezes tinham feito sozinhos ou mal acompanhados.
Sincronicidade e Engrenagens
Pense em uma engrenagem de qualquer tamanho, presa a um mundo qualquer, sim, presa por uma barra de ferro à uma parede. Ela está presa e solta no ar, livre para rodar, mas sozinha fica difícil por demais, ela pensa, ela tenta, ela sente o vento a impulsionar.
Ela nasceu, e seus pais foram fazendo força para girá-la, seus pais estavem alí sempre acoplados, dente a dente, alimentando o movimento, impulsionando a cada instante. As vezes eles tinham que sair de perto, e sentir se o impulso era suficiente, ou se tinha que aplicar mais forças.
E assim a vida foi seguindo, muitas outras engrenagens foram aparecendo, professores e amigos, músicas e inimigos, amores e dores, viagens e doenças, religiões e crenças, desejos e frustrações. Tudo isso mexia com aquela engrenagem. E a velocidade nunca era constante por muito tempo. Bem como seu tamanho tambem oscilou, mas este sempre aumentando.
Porem uma lição importantíssima estava para ser aprendida, e seria esta a mais importante, juntando-se com a a velocidade e tamanho, a engrenagem teria que aprender sobre sincronia.
Mas sempre que a velocidade da engrenagem ia reduzindo ela se afobava, sentia que poderia ficar sozinha, para trás, seus pais não davam mais conta, quando se conectava a eles era como uma suave brisa vindo dos oceanos, e muitas vezes eles também enferrujavam na...era hora de saber se encontrar no mundo.
E mesmo ela sendo de metal, com dentes fortes, ela esqueceu-se da física que havia aprendido. A primeira lei, 2 corpos solidos não ocupam o mesmo lugar no espaço, e da questão da velocidade, quão maior a engrenagem associada, maior a velocidade e força que ela nos imprime.
Rapidamente ele tratava de se enconstar e se ligar a rodas dentadas que lhe apareciam pela frente, algumas mto pequenas, se esforçando, muito rapidamente rodando. Essas artimanhas chamavam a atenção, mas estas velozes rodinhas rapidamente se cansavam, e sumiam, ou então, muito comum era elas se adormecerem ao lados da nossa querida engrenagem, deixando toda a força dela os alimentar.
Muitas vezes nossa querida engrenagem reduzia sua velocidade para conseguir se encaixar as rodas lentas simplesmente porque estavam próximas, deixava de lado aspirações para estar com estas que muito dizem e nada cumprem, que culpam todos os problemas por não achar solução. Mas oras bolas, um problema é uma solução em potencial?!?!
Poxa, então ela estava presa a algo que não ajudava, ao invés, revés. Lhe sugava energias. Agora não havia espaço para outras associações, aos poucos ela tentou se ligar a uma religião, seus dias até ficaram melhores, mas ela ainda teria que experimentar muito para decidir. Ela queria fazer arte, barulho, queria espirrar tinta em muros antigos.
Ela foi tentando remover as pequenas engrenagens que já estavam mortas ao seu redor, como uma reforma nos dentes, buscando um novo brilho, foi reduzindo sua propria velocidade, notando que aos poucos aquilo que havia se agarrado a ela ia se soltando, caindo como uma praga cai morta quando já não reconhece um bom hospedeiro.
Sentia-se bem melhor, mais leve para correr, mas teve um estalo em sua barra metálica, sinais de dor e cansaço estavam impressos, mas esses sinais foram mais que alertas, foram uma nova luz brilhando em seu caminho. Ela lembrou de seus pais, professores, amigos distantes, que por muitas vezes lhe deram muito em tao pouco tempo de ligação.
Ela parou, completamente parou, muita gente conhecida se assustou ao ver aquele objeto de trabalho alí estático, muitos julgamentos ocorreram em volta, muitas voltas dadas a toa, muitas voltas apenas para machucar. Muitos acharam que era seu fim alí, a grande maioria pensa que ao parar não há forma de voltar a girar.
Dentro daquela engrenagem existia uma força que estava por vir, e ao parar ela pode contemplar o mundo todo a sua volta, e viu com mais clareza tudo aquilo que valia a pena em sua nova vida. Ao mesmo tempo que tomava novas doses de consciencia ia alimentando a força motora lá de dentro. Todo objeto, mesmo parado tem sua força, e alimentada por essa força a roda fez aquilo que deve ser feito, girou novamente, mas agora muito mais espontanea e graciosa, oras, como uma roda de ferro dentuça pode ter seu charme. Aquela era a prova, mesmo sendo identica a todas as outras no mundo, ela era diferente.
E o gira-gira da rodinha, era pueril, com toques de maturidade, sem a ferrugem da velhice e da ansiedade, a graxa dava o ar da graça em formas de aromas agradáveis. Essa nova investida contra o mundo trouxe-lhe novas amizades.
Junto com tudo novo que viria ela agora tinha olhos para ver, ouvidos para escutar, antes de se ligar dente a dente ela tinha noção de futuro, sabia que não podia mais emperrar. Vislumbrou grandes associaçoes de engrenagens, concorreu para participar com elas de um grande trabalho gratificante.
Conheceu uma grande roda, lenta para quem enchegava de perto, mas muito produtiva a quem se coligava. De cara não ligou, foram se conhecendo, dia apos dia, noites por vindouras, e sentiu que esta grande roda secundava muito suas vontades e necessidades. Um ritmo forte e constante se iniciou em sua vida.
Um certo dia, ao abrir bem os olhos e olhar em volta, estava as duas juntas, na mesma velocidade e mesmo tamanho. Tudo estava acontecendo tempo depois de tempo, o sentimento de não ser nada alem de metal bruto havia passado, ela via além das engrenagens, ela via que as voltas dadas faziam o mundo todo girar, que graças a elas, engrenagens, existia energia nos lares, existiam grandes relogios, maquinas que constroem as civilizações, que por sua vez são um outro tipo de organismo que tenta se afinar e tocar em uma bela harmonia sonora.
18 março, 2010
duas coisas
Tem alguem que sempre me leva pra casa
Casa = qualquer lugar com você
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como posso curar a saudade
de algo que nem ao menos existiu
digamos que interferiu na minha vida
mas não tem hora marcada pra voltar
só aparece nos momentos impróprios
e sempre parecendo me enganar
17 março, 2010
quem sou eu, quem fui eu, que fiz eu
Um dia eu fui comprar coca e escorreguei na arei fina que estava por sobre os paralelepipedos e a garrafa bateu contra o chão, era um casco de vidro, era 1987, e muitos discos bons estavam sendo lançados, mas eu nao sabia ainda. Fui parar no hospital tomar 6 pontos na palma da mao, que estão aí marcados até hoje, assim como os discos de 87 estão sendo tocados até hoje.
16 março, 2010
apontando pro céu
Seu recado me pegou desprevenido
Estava eu distraído, com algum avião
E então, nem percebi a turbulência lá de cima
A turbina atingiu meu quarto
Enquanto sozinho eu sonhava,
Sozinho estava, e não sabia
Por alguns instantes admirei o horizonte
Por dias a fio tentei sustentar a cabeça
Apoiada sobre meu próprio ombro
Horas, oras e sem nada mais a carregar
Joguei fora minha cabeça, a fiz voar
Movi meu corpo para fora, o fiz mudar
Contei para todo mundo que havia desistido
Voltei pra cama e deixei tudo desmoronar
Ao deitar não via mais o teto
Via o que meus olhos queriam ver
Aquela vizinhança já não me conhece
A garota olhou para meu lar
Sentindo que algo existia lá
Os rastros persistem, as sombras seguem sem corpos
O velho vai dar lugar ao novo aos poucos
E de novo nascer em algum outro país
05 março, 2010
Cabisbaixo te vi
Via, via, via expressa
Atravessar, tentando retornar
Ao meu lar, de onde fui tirado
A vontade de fugir
Ou de ficar, alí, estatelado
No meio da rua deitado
Feito um papelão, pisoteado
Fez vc, papelão,
me fez assim então
Fez vc vindo na contra mão
Agora eu penso apenas, por um ou outro lado
Nada mais pode dar errado
Separo a papelada
Numa carrocinha que se move, está largada
Via força humana, via suor e desgraça
Me deixo levar
Quase sem peso vivo
Minha carcaça se exauriu
Mais uma folha virada, levada pelo vento
09 fevereiro, 2010
Os sentidos se confundem, mas quase nunca se fundem
Assim como uma semente, carinhosamente plantada em um vaso, sob terra fecunda, vai brotando e segue se erguendo para o céu, eu assim, vejo o dia de minha morte. Me enterrem e logo eu nasço, nascerei para uma nova vida, talvez não tão nova no sentido de ser inédita, mas sempre renovada.
Oras, ninguem nunca viu brotar humano da terra, mas vos digo que os olhos mentem, os olhos muitas vezes escondem a inteligencia da alma. Sim, pois um sentido tão limitado quanto a visão humana só poderia servir de casulo pros olhos da alma.
Não peço que ninguem mutile seus olhos, muito menos acho abençoado aquele que cego nasceu, mas peço um pouco mais por aqueles que enchergam apenas aquilo que querem ver diante de seus olhos.
A visão como sentido nos mostra o mundo, são tantas belezas e tantas cores que podemos admirar, mas existem mais e mais, que estes esféricos amigos ainda não podem ver. O horizonte é tão próximo, comparado ao perímetro da Terra. Porque insistimos em achar que sabemos tanto com os olhos se nem ao menos vimos tudo aqui em nosso planeta?
Quantas vezes vemos algo que na hora faz todo o sentido, mas a imagem captada pelos olhos logo depois é gravada na mente e se torna distorcida? E depois entra a razão em jogo, desprezando todas as outras sensações vivas, transformando tudo em preto e branco, com algumas escalas de cinza.
Eu amo o impossível, porque ele sempre me parece possível, existem muitos caminhos para se chegar num resultado, em uma conclusão, mas o quão conclusiva ela pode ser? Qual a extensão do universo? Porque algo que parece imutável pode assumir novas formas, e ter outros nomes?
Até mesmo a dor pode virar um combustível forte, que no final das contas trouxe amor. Até mesmo uma mãe, aquela que deveria ser toda a proteção pra seus filhos pode ser na verdade a assassina, por algum motivo da natureza ou por demência incontrolável.
Todo ser humano que estiver contigo, vivendo a vida é capaz de lhe oferecer coisas boas e ruins, ninguém está livre desta sentença. Temos que saber extrair o veneno e cuspir. Já as coisas que nos fazem bem, respiramos fundo e as guardamos no peito para sempre. E não vai sem os olhos que iremos identificar tudo isso durante nossos percursos, os olhos vão se abrir no final do trajeto, quando estivermos sobre a montanha analisando quais caminhos tomamos e porque demos tantas voltas para encontrar algo que sempre esteve dentro de nós esperando. De que valem nossos olhos voltados para fora apenas, de valem estes olhos na escuridão do interior de nosso intocável âmago?
22 janeiro, 2010
Meu 3 desejos, necessidades
Todas vezes que entrei em um casino, num bordel ou numa igreja eu sentia a mesma sensação. Um sentimento vago, um certo desejo, mas ao mesmo tempo uma forte necessidade, que era o que realmente me movia para dentro. Não que eu queira comparar os 3 lugares, de forma alguma estou querendo traçar um paralelo, são apenas relatos que quero fazer de minhas emoções aflorando pelos poros, fazendo de minha pele um caderno das minhas historias e sentimentos ao longo dos anos.
Eu ia para o bordel para conseguir amor, um amor que minhas entranhas necessitavam tão cruelmente, que me torturavam, como se fossem um organismo estranho ao meu corpo. Entranhas estas, que me magoavam sem dó. As semanas se passavam, talvez meses, porem chegava um momento que era impossível continuar me submetendo àquelas dores, aquela corrosão interna. Sucumbia então a tal necessidade, e me arrastava feito um animal sedento por sangue. Até meu coração se aquietava, pois, meus desejos também seriam saciados la dentro. Mas não era só isto. Pois uma necessidade é sempre mãe ou pai de outra. Assim como um vício perturba a cabeça, ao ser saciado, ele se vinga em um orgão do corpo, com algum tipo de flagelo. Não existe compaixão num vício. Ele tem vida própria, e não tem um ponto fraco, pois nós somos seu ponto fraco.
Dias e dias se passaram, as refeições estão em falta. Aquele jantar com a família, ou aqueles amigos já não existem mais. Acordando alquebrado todo dia, espreito pelo meu apartamento, ando como se não estivesse em casa, tentado silenciar qualquer ruído para não ser notado por vizinhos ou transeuntes, luzes apagadas, cortinas de trapos tentando esconder o máximo que poderiam, tudo tem uma fresta. Me desloco até meu cofre, sob o assoalho, uma pequena caixa de sapatos imunda. Pequena como meus pés o são. Abro-a e recolho algumas notas largadas. Estou muito fraco para trabalhar em alguma coisa, e então reservo certas economias de tempos em tempos. Vou para a jogatina, chamo de casino, mas não passa de um porão, todo tipo de jogos ilegais por lá me aguarda. Busco sempre o grande premio, aquele que vai me trazer paz para sempre.
Percebo uma enorme porta aberta, vejo uma seta brilhante apontando la para dentro. Esta seta flutua diante de meus olhos, pisca, irradia luz suficiente para que eu aperte as pálpebras, tentar proteger os olhos, mas o coração coitado, é aquele mais desprotegido e vulnerável. Corro para dentro. Busco um canto dentre tantos bancos centrais, a figura de Jesus crucificado em meio ao fundo do salão. Aquele homem de preto, sozinho caminha de um lado a outro, como se eu nem estivesse ali. Mas tudo bem, não confio nele mesmo, entrei aqui pois preciso da minha dose de fé. Salvação, paz para minha consciência perturbada. Me recolho todo, aperto minhas mãos fechadas uma contra a outra, começo a suar e rezar como um demente culpado, buscando ser absolvido num tribunal, este que me persegue, todos os membros do juri estão dentro de mim, nunca esqueço, nem por um dia, tudo que devo ao universo. Mas por segundos consigo expandir minha alma, e tudo parece mais calmo. Não pensem que entrei para pedir sorte no jogo, entro em diversas igrejas pelas cidades que vivo ou vivi, pois começo a queimar por dentro. A solução passageira é esta, sigo tentando, sigo buscando, mesmo que as escuras, de olhos fechados, tateando. Usando do pouco vocabulário que sei aqui dentro, tentando achar o modo correto de pedir perdão.
Estes 3 desejos regem minha vida, eles são baseados em necessidades. E eu nunca consigo resolvê-los por completo e seguir o caminho da vida. Talvez porque eu ataque eles como um animal selvagem ataca sua presa. Todo dia é um nova luta, caçar, se esconder, lidar com a sorte e inúmeros fatores que podem complicar o alcance ao objetivo. Um leão come aquilo que pode quando tem a carne em sua frente, não sabe nem onde nem quando vai encontrar o próximo alimento. Eu sigo um preceito parecido, e não luto todo dia, vou me deixando enfraquecer, com isto os problemas tendem a crescer, tendem ao infinito muitas vezes e eu sinto que pode estar chegando a fatídica hora final.
Dentro do bordel, diversas vezes me apaixonei, de diferentes formas senti o amor sendo irradiado dentro do meu corpo, e na maioria das vezes, era tão expansível que se estendia pelos limites corporais. Eu chegava na porta do lugar e respirava fundo, como num exercício, pensava na criatura a qual direcionava meu amor e podia tocá-la com meu sentimento. As ondas voltavam até mim e eu sabia, infalivelmente, que ela estava lá dentro em serviço aquela noite. Eu esperaria até o dia raiar só para estar alguns minutos com ela. Não importava a quantidade de clientes que com ela estivera, ou estariam ainda, eu permanecia mudo, quieto, estático num canto esperando a minha vez. Ao entrar no quarto com a escolhida por meu coração eu ficava sentindo diversos tipos de perfumes, me sentia agraciado por aquele momento. Porem não haviam forças maiores que me fizessem dar continuidade a este desejo, faze-lo crescer e durar. Era questão de alguns meses e eu me sentia tão apático que gerava uma distância enorme entre os 2 seres queridos, eu e a simples donzela da vida, que então o vaso ficava seco para qualquer rosa florescer.
A necessidade vital da fome me chamava e eu buscava um casino. Um ambiente que no geral é parecido com qualquer bordel, esfumaçado, com aromas diversos, na sua maioria, repelentes ao meu olfato. Porém dentro do bordel, por algumas vezes eu me sentia absorto em bons sentimentos. Dentro dos casinos apenas a ganancia predominava. Muitas vezes eu entrava robótico, depositava moedinhas em máquinas, esperando pelo milagre da multiplicação. Noutras, sentava em mesas, totalmente letárgico. Talvez esta falta de expressão muscular me ajudasse a ganhar uns trocos no poquer, era difícil alguem ler minhas reações, meu rosto era praticamente uma tela em branco. O dinheiro era ralo, era suado, não pelo esforço, mas pelo ranço de todos aqueles companheiros de jogo. Minha aparência não despertava qualquer inveja, o pouco que eu recebia servia me para comer e beber. Alias, logo após sair com uma quantia razoável para o mês, eu ia primeiro beber, buscava 2 coisas neste ato: anestesiar e esquecer. Comprava no supermercado garrafas de álcool barato. As primeiras doses me deixavam anestesiado, não tinha erro quanto a isso. Mas eu ia alem, buscando causar uma amnesia para aquela noite. Sem dúvida eu gostaria de apagar todo meu passado, mas realmente, esquecia no máximo os fatos da noite. Rolava para casa, inchado, exaurido de sentimentos e forças. Me largava no colchão de palha que ficava no chão do meu apartamento, ligava o rádio e dormia sem ouvir sequer uma canção. Acordava com ele, o rádio, gritando qualquer notícia em minhas orelhas e como um cacoete adquirido por anos, buscava as notas salvas em minhas meias, que ainda estavam calçadas em meus pés. Guardava as notinhas suadas, não pelo esforço do trabalho, mas pelo calor e liquido exalantes em meus pés. As punha dentro de meu cofre. Fazia isto ainda de olhos fechados, pois meu corpo ainda não acordara. Alguns sentidos estavas dormentes, outros já se faziam presentes, usava apenas o tato e a audição nesta rápida tarefa. Então tentava sintonizar alguma música agradável no rádio. Alguma que pudesse servir de oração aos amores apertados em meu latente coração.
Dizem que a casa de Deus está sempre de portas abertas, pois então eu nunca visitei Deus. Neste dia, busquei como busquei a seta brilhante apontando para dentro de altas portas, e os malditos estavam mantendo as tais portas fechadas. Imaginei um complô contra mim, não queriam mais um farrapo imundo de oficina mecânica dentro de seus suntuosos ambientes banhados a ouro, regados a vinho, buffets enormes de comilanças para aqueles ditos nobres senhores que apenas rezam em toda sua segurança, enquanto imundos como eu infectam as ruas. Eu via em seus rostos o desprezo, eu era a doença das ruas. Eu sei que se eu cuspir em qualquer sarjeta estarei espalhando a doença dos meus pulmões pelas ruas. Mas praqueles pomposos padres o simples fato de eu respirar e tocar em coisas era profano. Eu não queria lutar, não queria ter razão sobre nada nesta vida, então entrava discretamente, fazia força, mão contra mão, buscando tornar o mais rápido possível minha estadia ali dentro da casa que tentaram dar a Deus.
Meus desejos e necessidades, eram 3, eu não os considerava os mesmos, no fundo se tratavam de 6 sentimentos distintos, mas na prática, funcionavam como apenas 3. As vezes me sentia sortudo por tal casamento, tudo que eu quero eu necessito. Mas eu nunca consegui mantê-los comigo, durando, perseverando e alcançando novos níveis. Eu ia sempre em busca de um novo animal dentro de mim. Caçar, latir, uivar, miar, rastejar, morder, me contorcer de dor e prazer, essa era a linha da minha vida de extremos, da dor ao êxtase. Eu estava viciado nesse modo de vida, e parecia que só assim era possível viver.
A carência fazia minha frequência cardíaca aumentar, eu fazia de tudo para me segurar, para tentar me livrar deste desejo, mas era também uma necessidade básica de vida. Sentimentos confusos, amor que anula dor, carinho que anula carência, um olhar de alguem que te faz existir no mundo, que quebra minha solidão. As mulheres da vida entendiam e se entregavam a mim, talvez sentissem em mim um sentimento um pouco mais nobre do que os habituais clientes, aqueles que gozam britas dentro delas. Eu conseguia dar-lhes algo mais, mesmo que vomitado de uma vez, havia um certo calor além do humano carnal, havia uma onda no ar, batendo pelas paredes, reverberando de coração em coração. Ali dentro a minha necessidade encontrava o desejo. A carência lidava com o amor, de mãos dadas, os sentimentos se harmonizavam como música, o pacto estava selado por fluidos corporais. Me deitava e via uma vida toda pela frente, com continuidade, como na maioria das famílias do mundo. Eu via o filme, que nunca se tornara realidade.
Dentro do casino eu aspirava o grande prêmio, aquele que me daria condições de ser livre. Ter um lar justo e seguro, ter dinheiro, mesmo que ralo, mas diário para comer e beber. Eu estaria livre da obrigação, estaria flutuando pelas calçadas, os buracos não me fariam tropeçar mais. Compraria um tênis macio, andaria com uma postura ereta. Não teria que me esconder em becos, esperando achar a sorte. Não sentiria mais a fraqueza e o corpo moído pelas entranhas gritando por alimento. Saberia dosar a comida e seguir vivendo, me alongando. Com as pálpebras mais abertas, reparando melhor nas coisas do mundo. Mas a necessidade gritava, e me tirava a concentração, mecanicamente eu buscava o jogo, pensando em sanar as dores de fome e sede. Esquecia totalmente meu desejo de uma vida em paz.
As marteladas do meu tribunal eram como uma obra sem fim, nunca todos os pregos estavam no lugar, e os membros do juri eram juizes diretamente, cada um por si, batiam e batiam seus martelos e marretas. O tambores eram meus tímpanos. Ruído incessante. O volume estava sempre aumentando, até que eu nada podia mais ouvir que viesse de fora. E tudo ficava sério, eu perdia meu equilíbrio para caminhar, e titubeante procurava por uma seta verde, indicando a porta. Dentro da igreja eu suava, encarava todas minhas culpas, meus erros, meus crimes contra o universo. Buscava paz para tudo isto, este era meu desejo. Mas a necessidade falava mais alto, eu precisa calar os tambores, ou pelo menos tentar reduzir a intensidade de sons dentro da minha cabeça. Eu sabia que uma vida de fé seria como ouvir música tocando, troca-se o juri por uma filarmônica. Mas fé em que? Não conhecia outro mundo além deste que vivo, nem sei mais se posso chamar de vida. Parece mais que tropeço, vivo ralado, rolo por barrancos, barranco acima, pois pra baixo seria muito fácil.
Anos se passaram, assim como previ, nenhum anjo veio me salvar, não ganhei aquela grana que duraria "para sempre" e muito menos vivi o amor com alguém fora de um bordel.
Meu corpo gasto, até o ultimo orgão, todos trabalhando ainda apenas porque não saberiam viver de outro modo, mas esgotados, cada batimento, cada bombada de sangue parecia ser a última. Cada piscada de olhos, buscando lubrificar, cada tremida de nervo, parecia dar um ultimo adeus a vida como conhecemos aqui neste mundo.
Então me dei conta de algo muito importante. Deus, o que será de mim? Pois eu não aprendi nada novo. Digo, eu cresci, de algum modo tive habilidades para sobreviver em meio ao caos. Sabia me esquivar, sabia caçar, sabia amar uma mulher sobre a cama. Mas vivi disso por anos a fio, repeti a dose todos os dias. Mas não aprendi nada novo. Não derrotei os obstáculos, eu seguia pulando todo dia. Sabia sempre onde eles estariam, mas não buscava meio de vencê-los de uma vez por todas e quem sabe encontrar novos desafios. Então eu não precisava de ninguém mais, eu estava morrendo, este corpo iria desaparecer. Pele e osso virariam poeria rapidamente, o vento faria o serviço.
Mas a pergunta final era, para onde irei, visto que sei que existe algo mais dentro de mim que não é feito de carne, que não precisa de sangue, que nem mesmo precisa da massa cinzenta. Meus desejos, que viveram dentro de meu coração, eles não eram parte do meu corpo, eram parte de algo muito maior e valioso para nossa raça.
Não demorou muito para a resposta vir, e veio por mim mesmo, afinal eu soube a vida toda, que quem vive sempre fazendo as mesmas coisas, vai encontrar os mesmo resultados a frente. E eu soube de imediato que se realmente eu tivesse outra chance mais adiante, eu voltaria para este mundo, para continuar de onde parei. Pois ele é o que eu conheço melhor, uma vida toda andando em círculos.
Uma paz interna irradiou-se dentro de mim, uma compaixão enorme reverberou em meu tórax e minha consciência se calou. Fui me embora, dei um pequeno passo naquele momento, mas foi o maior de toda minha vida, foi aquele que me levou mais longe, e que me tomou menos tempo para chegar mais perto de alcançar meus 3 desejos, e largar de vez as 3 necessidades, meu vícios.
12 janeiro, 2010
Só
Não fui, na infância, como os outros e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza, e era outro o canto, que acordava o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba da tormentosa vida, ergueu-se, no bem, no mal, de cada abismo, a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte, da rubra escarpa da montanha, do sol, que todo me envolvia em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade, daquela nuvem que se alterava, só, no amplo azul do céu puríssimo, como um demônio, ante meus olhos.
Allan Poe
11 janeiro, 2010
Estado do Espírito
Parecia que alguém brincava com a atmosfera esta noite. Cheguei em casa me sentindo estranhamente bem e ao abrir a janela as cores contrastavam mais do que o normal aos meus olhos. Meus sentidos pareciam aguçados como se eu estivesse em contato com alguém mais, que estava ali diante de meus olhos, mas estes não podiam detectar ainda qualquer presença. Meus poros no entanto estavam atentos e davam sinais de algo envolvendo minha aura.
Então comecei a conversar comigo mesmo, e consegui sentir pessoas falando dentro de minha cabeça. Muitas frases ditas em diferentes épocas de minha vida começaram a reverberar dentro da caixa craniana. E era como ler um livro, ou ver um vídeo clipe musicado com as melhores cenas de um bom filme.
De certo modo comecei a me sentir em outro lugar do mundo, não diria outro país, mas como se estivesse em outra dimensão, outro estado de espírito.
Fico imaginando se alguém pudesse estar ao meu lado agora, talvez achasse que estou cego, que meus olhos nada veem, o que seria uma prudente observação, pois eu estava acenando para os meus amigos que estão atrás da cortina e não poderia perceber se um falcão pousasse em meu telhado.
Esqueci de descrever onde estou, como é o lugar em que me encontro neste momento. Sempre que chego em casa, vou ao meu quarto. Para alcançá-lo devo subir um lance de escadas, sigo reto pelo portal da porta e viro a esquerda, onde tem a janela, geralmente fechada quando chego em casa, juntamente com as cortinas de cor crua. A luz que irradia através dita meus próximos movimentos, algumas vezes passo direto feito um zumbi, vou ao banheiro, que fica atrás do quarto, e depois me largo na cama. Mas neste dia a luz estava quebrando meu sono e eu me sentindo enclausurado. Abri bem as folhas da janela e removi as cortinas para os lados.
Debrucei-me sobre a madeira que serve de apoio ante o telhado de baixo, e busquei os céus com meus olhos a princípio. Realmente estavam dizendo algo por cores, e pelo canto do suave vento. E bem na hora que sorvi o ar fresco e este estava rodopiando em meus pulmões pude sentir que estavam eles bem próximos de mim.
Desde sempre, chegar em casa sozinho no meio da madruga me gerava certa consternação. Me sentia pequeno sob todas as camadas da atmosfera. Mas nesse dia eu me sentia completo, não havia ninguém ao meu lado, fisicamente falando, mas eu tinha aquelas vozes ressonantes, e tinha um céu com cores vivas no horizonte.
Será que estava vivendo de mentiras esperançosas criadas por minha própria cabeça? Seria isso um tipo de droga que fui aperfeiçoando com os anos e agora eu mesmo me dopava? Os melhores anos de minha vida, e quem eu sempre encontro, o céu.
Mas dessa vez ele estava se movendo, talvez fosse uma dessas estranhas noites de verão que ocorrem depois de um longo dia quente, depois da tempestade de final de tarde, o ar noturno fica bem fresco, me fazendo esquecer que no próximo dia estarei suando ao acordar. Toda essa sensação me anestesiava, e me levava para outro estado de espírito.
Eles sentiram que eu me aquietava e puderem ir chegando mais perto, alguns estavam logo atrás da bananeira. Outros eram tão suaves, tão dissolvidos no ar, que eu já os respirava para dentro de mim.
Claro que neste momento eu não tinha toda essa percepção, eu tinha noção, era como ouvir um russo falando, sabendo que palavras estavam sendo articuladas, mas do som delas eu ainda não conseguia tirar discernimento do assunto, da mensagem que estava sendo proposta. Porem, os fatos a seguir narram o real encontro e talvez uma plausível explicação.
Minha visão era como uma tela, ou melhor, era como se eu pudesse ver em camadas, no fundo eu tinha meu quarto, mas no primeiro plano, como num papel manteiga de opacidade bem reduzida projetava-se a imagem de outrem me chamando com as mãos para que eu me deitasse na cama e amansasse os poros e nervos.
Deitei, sentindo um tipo de êxtase etéreo, piscava meus olhos, sentia meu corpo funcionando feito uma máquina bem regulada e lubrificada. Minha respiração estava bem calma e silenciosa, era como se o ar apenas passasse por mim, sem que os orgão tivessem muito trabalho, o vento soprava singelo adentrando ao quarto. Lembrei me de uma bela música e seu nome, uma frase em latim me explicava o poder da vida no universo. "Spiritus flat ubi vult", ou melhor, "o vento sopra onde quer".
Pensar nisso me deu uma enorme paz no coração, fui me entregando mais a vida e aos fatos. Então me levantei, tive a sensação de que muitas pessoas passavam em frente a minha casa e quis ver quem eram eles. Me desloquei até a sala de TV, ainda no segundo pavimento de minha casa, de lá eu teria a visão que estava procurando. Mas eram tantas pessoas passando, e numa velocidade que nem existe, como quando colocamos uma bicicleta de ponta cabeça e rodamos seus pneus, o movimento em certa velocidade se confunde de direção, pra trás e pra frente existem no mesmo instante. Então não notei formas definidas, pudê apenas sentir seus aromas e notar seus rastros, e eles irradiavam uma luz vermelha alaranjada, tornando desta cor todos os objetos em volta. Mas eles eram luz pura, amarelos, vivos, pacíficos e seguiam de casa em casa, dando esse passe energético enquanto os corpos de todos os moradores repousam e apenas seus espíritos vão haurindo a força que ao acordar não podem se recordar de onde veio.
Um certa faixa de luz começou a se deslocar em direção da entrada da minha casa, como um rio desaguando em uma lagoa, lá estava um filete de luz se aproximando da minha garagem. Comecei a sentir um forte frio na barriga, e a coluna quis se encurvar mais que podia. Os pelos ouriçados por braços e pernas e eu parecia tomar uma suave descarga elétrica. Aos poucos a tensão foi saindo, fui sentindo uma certa massagem por todo o corpo, e toda esta loucura parecia mais fácil de se conceber de repente.
Aos poucos a garagem se encheu de luz, e esta começou a invadir a casa primeiramente por frestas, depois atravessou a porta feita de densa madeira, como se fosse um líquido, adentrou ao meu ambiente seguro. Eu estava na sala de cima, e a luz na sala abaixo, mas a claridade já era forte e radiante, não demorou para começar a subir a escada, assim como uma cachoeira sobe a montanha, ao invés de cair pela rochas. O bater de meu coração estava calmo como o gado geralmente é ao pastar, meu olhos se fixaram nos movimentos da luz. Assim como a garagem escurecia, a escada se iluminava e uma torre de luz se formou ao cume, no segundo andar da casa.
Parou de se mover lateralmente e começou a girar em torno de si mesma, ou como um rodamoinho e aos poucos o ser de luz tomou forma, foi mostrando seu rosto, tentando definir-se como forma humana. O processo deve ter durado uns 10 ou 15 segundos, mas a passos curtos e rápidos, parecia não sair do lugar, morfando, criando, refletindo meu rosto na sua luz.
Tomei um baita susto, e assim o ser de luz ficou, congelado, olhos arregalados, assim como os meus estavam, pouco importando com a dor da claridade que feria minha íris. Não conseguia nem piscar diante de tal fenômeno. E com muita calma ele acenou e eu entendi que deveria me deitar novamente a cama. Assim lentamente pus pé frente a pé, tentando não errar o movimento básico que se chama caminhar, e deitei suavemente.
Oh luz, que queres de mim, pensei, ao deitar-me, e senti seu toque entre meus olhos. Deixou um feixe sobre minha testa, como se fosse um bastão. Eu sentia meu pensamentos sendo sugados para fora de meu cérebro, eu podia vê-los saindo em forma de imagens e sons. Era como aquelas brincadeiras que tínhamos na escola, onde o nome dos desenhos de animais, objetos e outros formavam palavras ao lermos a frase. Eu via meu quarto escuro e uma suave névoa sobre minha cabeça.
Não fechei meus olhos, mas a visão agora era controlada por este ser de luz, e eu não estava mais apreciando meu quarto e sim um tipo de espiral que deveria ser o a forma em que meus pensamentos eram carregados para outro corpo. Sim, estava certo, pois apareceu outro ser diante de minha visão, este sob um enorme capacete, onde deveria estar receptando tudo que era meu.
Existia outro aparelho, 2 esferas girando com extrema velocidade, a menor em cima recebia tudo que era sentimento, entendia, separava e mandava armazenar na esfera maior inferior. Eram prateadas e pareciam energizadas por uns feixes dourados de luz.
Sentindo-me extremamente leve eu via que tinha voltado ao quarto, me sentia seguro, tudo que acontecia comigo era ligeiro e eu percebi que as explicações estavam sendo dadas durante todo o processo. Meu cérebro parecia agora ser capaz de entender um monte de novas ideias com uma facilidade enorme. Era como se eu estivesse vazio de tudo que não presta, e pudesse gastar toda minha vida novamente. Mas ao mesmo tempo toda a bagagem acumulada estava comigo, eu não tinha esquecido nada, não estava emburrecendo. Era eu, o mesmo jarro, porem com espaço de sobra pra me encher de um novo suco mais saboroso.
Aproveitando o ensejo e o contato, eu tentei me comunicar, mas nada perguntei, apenas comecei a obter algumas respostas automáticas, mas totalmente direcionadas a minha pessoa.
Não eram palavras, mas sensações que tentava traduzir inutilmente, elas vinham como arrepios, ou lufadas de ar, outras como sangue novo em minha veias, sendo injetado, outras como lampejos em meu cranio. Toda essa atividade cerebral me cansou, e de uma maneira, que meu corpo precisava descansar, forçando um desmaio.
Avistei 3 seres flutuantes próximos de mim, alçavam voo, e mais ao longe se uniram e juntos foram polvilhando partículas de luz no ar enquanto se despediam. Pude ver ao meu lado uma pata sumindo, e a luz ficando mais fraca. Desta vez ela não escorreu, apenas se dissipou como se formasse uma solução com o oxigênio. E foi enfraquecendo e sumindo até que eu adormeci e o breu tomou conta da minha vista.
Acordei. Um luz penetrava por minhas pálpebras, porem era a mesma luz do sol que vejo todo dia entrando pelas janelas. Uma luz que me fere muito mais do que as luzes de ontem.
Ainda zonzo, busquei pela memória tudo aquilo, sentimentos confusos, parecidos com um sonho arrebatador, daqueles que correm na velocidade da luz e despejam infinitas cores, imagens e sentidos que ao acordar fazem a cabeça latejar, ou como um motor de carro super aquecido, vai esfriando e estalando.
Eu tentava lembrar dos fatos, e narrar tudo novamente para mim mesmo. Porem mais importante que tudo, comecei a pensar na vida e novas formas de associação. Lembrei de alguns brinquedos que eu tive, e como eu queria que eles ficassem sempre novos e intactos, mas com os anos iam se deteriorando. Riscos, peças quebradas, todo o brilho de partes transparentes agora opacas. E aqueles seres de luz tinham alguma relação comigo. Uma frase estava guardada dentro de mim e saiu como que ditada, pronunciei em voz alta:
- Sua alma não é como um brinquedo, ela se renova a cada instante, a cada ano, a cada século, o brilho tende a aumentar, as formas riscadas e estragadas vão sumindo e essas camadas se tornam parte de um passado remoto, que você apenas irá se lembrar através das visitas que fizeres aos seus irmãos.
A alma nasce em água barrenta. Cheia de sedimentos, somos um copo desta água. Durante a vida vamos aprendendo a purificar, nos livramos dos detritos, passando por diversas vezes em filtros e vamos buscando clarear as idéias, até o dia, em que estaremos puros e cristalinos. Nada teremos mais a esconder. Não mais seremos agressivos a outrem.
Portanto não temas, apenas viva cuidado de tudo que tens como sempre fizeste e eu te encontro lá, acima de tudo, um dia.
05 janeiro, 2010
por mim, o amor
O amor não é um sentimento apenas
São vários, aglomerados
O amor é uma árvore onde nascem frutos em novas temporadas
Onde a cada dia se desenrolam tenras folhinhas
E sua beleza está sempre renovada
Onde podemos podar um galho e ele volta mais forte
E o chão fica repleto de um tapete colorido
Para o amor se deitar.
Hoje eu ví seu pé no meu gramado
E eu quis congelar esse momento
Fiquei respirando o seu ar
Não existe culpa no amor, quando ele é livre
Mesmo sem dono, voa pelo ar, é de quem quiser sentir
O amor é como o banho que você toma a cada dia
Eu espero na porta do banheiro para sentir sua essência renovada
Agora sou egoísta, quero o primeiro vapor a sair de seus poros
Porém, sua beleza eu divido com o mundo
O amor é a chuva, repartindo-se em pingos
O amor é um saquinho de amendoim, onde nossas mãos se encontram
A paixão do comeco, serviu para nos colar
Mas o sentimento puro e infantil do amor
Ah, esse eu tenho certeza, nunca vai acabar.
as fases da lua
Ela passou a noite sentindo o clarão
O rosto de alguem iluminava-se no teto
Mergulhando em sua mente
O movimento se repetia a cada instante
A cama parecia suar
Os olhos ardentes, como em sauna
E uma fumaça que não intoxica
Amortece o corpo
Cristais de vidro cobrindo o chão
Reluzem os mil retratos do teto
E os olhos piscam buscando uma lágrima
Que nunca chega, pois está do outro lado da cidade
Esperando ser encontrada
04 janeiro, 2010
descansando sobre os escombros
E depois de tantas eras, épocas e gerações
A cidade tremeu, cansou e cedeu
Blocos inteiros começaram a ruir
A terra sob nossos pés está cedendo
Como quem reclama, pede por um refresco
Clama por descanso depois de tanto peso e sufoco
Todos estes prédios, que surgiram sobre casas
O peso se multiplicou, a falta de respeito só se fez crescer
Não duvido um dia eu chegar e ver a cidade descansando sob os escombros
Sentindo o concreto evaporar
O vento assoprando as areias para longe
Os poros se abrindo para novas construçoes surgirem
E a cidade volta a respirar, agora deserta
Mas, de certo, muito melhor
De volta ao estado natural
E as lembranças suaves, cativas em meu coração.