25 setembro, 2010

Todos os alfabetos do mundo

Por quantas vezes somos crianças? – Eu me pergunto.

Por quantas eu, tu, nós, vós e eles pelo mundo afora sentiram que estavam pequeninos diante da vida, diante de um universo que parece estar em constante expansão?

Sigamos então com ele, o universo. Este foi meu desejo ao deixar a pátria amada, tentar enxergar melhor o mundo em que vivemos, pois eu gostaria de provar mais de meu desejos, mostrar mais do meu modo de vida para pessoas diferentes e então, aprender com elas. Eu imaginava que existiriam outros modos de viver essa mesma vida. Do mesmo modo que o Planeta Terra é apenas um potinho no universo, eu me sentia um micróbio que não conhece o mundo.
Meu desejos foram ingênuos e simples, gostaria de vir e andar livre pelo velho continente, admirar as paisagens que conhecia apenas por fotos. Ouvir muitos idomas diferentes, aprender novas palavras e com elas novas sensações.

Mas, a partir do momento que eu decidi ficar e viver aqui, tudo mudou drasticamente. Eu ví, senti, que não estava realmente preparado. Poderia eu ter vindo antes do tempo? Não sei. Mas cá estou e todos os meus medos e receios estão a flor da pele.

Pensei, melhor será ficar e escutar o que eles tem a me dizer. Medo e receio me envolvem, algo me puxa de volta ao Brasil.

Ando pelas ruas como uma criança, muitas vezes tendo que pedir para um amigo me ajudar com algo simples, como se fosse eu a criança agora pedindo a um adulto para me explicar o que aquela outra pessoa tanto disse.Eu não conheço as palavras, mas conheço os sentimentos, porém isto se fundo e começo a achar que não entendo nada mais. Como funcionam as leis aqui? Estou sendo mal educado? Pessoas são pessoas? Compartilham das mesmas necessidades?

Lembro que quando aprendi a ler, eu vi um mundo novo brotar diante de meus olhos, eu saía de carro com meus pais e ia lendo todas as palavras que me eram apresentadas. Vitrines, letreiros, outdoors, mesmo que eu nada entedesse eu tinha o poder da leitura. E esse novo mundo das palavras veio a frente, ganhou foco.

Outro dia no U-bahn senti a mesma coisa, o mesmo sentimento, tudo que estava desfocado veio a frente e eu comecei a ler e reler, mesmo que nada entendesse. Era eu novamente a criança. Ganhei o direito de recomeçar uma vida aqui. Porém meus pais agora são as pessoas do mundo. Muitas não conheço porém me ajudam como se fossemos parentes de sangue, outras brigam comigo, dando educação.

A criança do mundo, eu, entendo e aceito minha condição, essa chance. Confesso que eu sempre quis isso pra mim, não me agrada a ideia de crescer rápido e me ver um adulto prematuro. Gosto de estar apto de verdade, dizem que cada um tem seu tempo. Assim como todas as flores escolheram a primavera, devem existir outras que preferem dias mais difíceis para mostrar seu encanto ou para aprender a se mostrar.

Há um espaço vazio à minha volta, e à mim ele pertence. E vou tentando expandir, vou falando bem devagar, vou tropeçando e levantando. Vou amando mais meu país e sinto que ele nunca vai me deixar. Peço perdão por ter falado mal dele. Pois agora entendo-o muito melhor.

Leio e releio tudo como uma pequena pessoa, estou me alfabetizando, assim como quando comecei a aprender a ler música, dentro das 5 linhas do pentagrama, também me via pronunciando sílaba após sílaba, nota após nota. A melodia estava alí no papel esperando por ser cantada, mas a fluência viria apenas com o tempo, com a dedicação. E assim sigo vivendo agora. Se no Brasil eu já andava, corria, cantava e sorria. Imagine o que é voltar a engatinhar, dar lentos passos, tropeçar feito uma pequena criança que olha ao redor, chora e clama por ajuda.

Ando pelas ruas tentando me encaixar aqui, não que eu procure um novo grupo, mas me encaixar comigo mesmo, me sentir natural dentro deste novo habitat, pois só depois disso eu naturalmente serei absorvido.

Parado estava observando o mundo correr quando veio um ser falar comigo, e eu aprendi uma nova linguagem! Um ser pequeno, como eu, coberto com uma roupa diferente, coberto de penas e com olhinhos miúdos, patinhas fininhas quase escondidas no corpinho redondo. Sim, um pássaro veio me falar, ele me olhou assim meio de lado, na certeza que eu entenderia seu apelo. Fiquei pensando nele, imaginei que palavras eu não deveria usar para me comunicar, então ele deu o primeiro passo na conversação e voou para perto de meu rosto. Eu estava comendo sorvete de casquinha e com esse ato ele me fez entender o que queria e as palavras brotaram em meu pensamento: “você quer compartilhar do alimento, meu amigo?”. Entendi! Quebrei uma lasquinha da casquinha e coloquei sobre a quina do canteiro de flores onde estávamos. Ele teve receio, saiu um pouco de perto, mas veio logo e bicou a lasca do alimento sem receios por eu estar ali pertinho. Me olhou novamente pedindo um teco mais, e claro, agora já falávamos a mesma língua. Dei-lhe um pouco mais e comemos este resto juntos. Ele agradeceu e foi-se embora voando. Eu também agradeci a prosa e fui embora sorrindo.

Essa lasca de vida eu peço a todos vós, que deem sempre, seja em forma de palavras, seja em carinho, seja com um sorriso mesmo. Pois cá estamos juntos dentro da enorme bola terrestre, e falamos a mesma língua, sim, todos falamos o mesmo idioma.

E ao final eu digo, é um enorme prazer, nascer de novo, dentro da mesma vida!