26 março, 2010

Espaço para respirar, espaço para acomodar, confortar

Exaurida, ela buscava abrir espaço para chegar ao ponto de ônibus, já não sabia se as calçadas eram apertadas ou se a população tinha engordado em volume e quantidade. Poças d'agua estavam ali como obstáculos a se transpor, e ondas de água cinzenta vinham das ruas. As grandes latas de sardinha vinham lentas, transpunham semáforos lentamente, era incabível, mas paravam no verde, e não podiam passar enquanto vermelhos?

Assim, elas se arrastavam ponto a ponto e as sardinhas subiam, elas ainda tinham suas cabeças, mas dentro da mente desta garota eram apenas peixes estúpidos, para entrarem numa lata tão apertada, que se deslocava mais lentamente que passos dados em um asilo, por pernas enrugadas.

Doída, quase doente, foi se arriscar a pegar uma lata velha, compartilhar virus, cheiros, desgostos de um dia inteiro. Se um dia parece tão longo assim, que dirá vivermos 80 anos?

Morar numa cidade confusa assim mexe com as cabeças, mexe com o psiquico das pessoas, elas são obrigadas a correr todos os dias com seus trabalhos, tudo deveria estar pronto ontém, mas na hora de ir embora, o caos impera, e as rodas lentamente se movem. Como fica a ansiedade, pensando nos afazeres do lar? Como fica a fome, viajando de estomago vazio.

Não estava nem perto ainda do ponto de descida, mas ela apertou o botão, encolheu a barriga, chutou muitas canelas com seu sapato de bico duro, com as respiração ainda presa, desceu os 2 degraus da condução.

Ao descer não sabia porque ainda se sentia mal, teve que gritar, e ao abrir a boca sentiu um ar mais fresco entrar, só então, lembrou-se de respirar fundo. Usou pedaços esquecidos do seu pulmão, foi mais que agradável aquilo, foi tão celestial que pensou se poderia fazer de novo. E vez! Soltou o ar lentamente, mas fazendo força, e sorveu para dentro novamente todo esse material invisível e gratuito por vezes esquecido.

Muito bem, ela agora tinha espaço em volta para caminhar e sabia que os pulmões estavam funcionando. Sem medo de inalar qualquer cheiro agressivo, saia tocando plantas, e estas respondiam com aromas da noite. A fome era grande, mas aplacada por uma sensação de tranquilidade. Passava ela ao lado de vendedores de milho cozido, barraquinhas de lanches, tudo isso ia alimentando através do oxigenio.

A liberdade adquirida lhe deu forças e coragem de pensar, e seus desejos lhe conduziram ao cinema mais próximo. Adentrou ao shopping, novamente um certo pânico ao ver lojas cheias, o que por um lado foi bom, não a afastou dos planos de ir verificar a programação das salas de cinema.

A regra que lhe veio a cabeça foi, vou escolher a proxima sessão, não importa o filme, e não quero me sentar sozinha.

Foi a frente do caixa e passou os olhos pelos horários sem se preocupar com os contéudos que seriam exibidos. Escolheu o mais próximo da hora corrente, comprou o ticket, comprou pipocas e um balde de refrigerante.

Sala vazia, qual mesmo nome do filme? Não importava, estava ela analisando os candidatos a sentar ao seu lado. Muitos casais, alguns velhos, muitos em turmas de amigos. Quase começando o filme, deveria ser o ultimo trailer e ninguem havia chegado perto dela. Seria o momento de tomar a atitude novamente?

Abandonar o barco é fácil, mas embarcar em outra...ela pensava, ponderava, somava A com B, a distancia de cada caminho...variáveis da vida.

Nessa confusão mental toda entrou um sujeito pela porta da sala do cinema, notou um espaço e ao chegar perto, recebeu um sinal, ela havia acenado que ao seu lado estava um lugar vago. Para lá se deslocou o sujeito, bem ao lado da garota e sua parafernalha de comer e beber.

O filme foi um lixo, o sujeito não era nada oculto, tratou de aparecer, comeu muitas pipocas, exalou seu bafo, bochechou com coca e grudou nos ombros da guria exaurida.

Problemas, abandonar o barco novamente, mesmo sem ter terminado a sessão foi ao banheiro, mas não pode voltar, era tarde da noite, shopping vazio, bateu uma certa depressão. Só lhe restava voltar ao lar.

Permitiu-se mais um instante de auto indulgencia e pegou um taxi, as ruas vazias agora lhe torturavam, ela estava um passo a frente das pessoas que iriam deixar a sessao de cinema. Mas era sempre assim que ela se sentia, um passo a frente ou 2 atras, tanto faz, isso a deixava sozinha sempre.

A opção taxi foi tomada, cochilou rapidamente, e ao abrir os olhos tinha sua porta aberta em fronte ao seu lar, lar, quer lar? Ah sim, seu buraco. Foi se esconder após pagar sem gorgetas.

Entrou debaixo das cobertas, o silencio nao era silencio, os ruidos externos apavoravam demais, metal sobre rodas, gritos de torpor, corpos cheios de combustivel, praças imundas, corpos cascudos se movendo sob arvores que tiveram a má sorte de nascer e prosperar em áreas sombrias.

O medo vinha de dentro, a rejeição parecia constante, uma rejeição sem palavras. Palavras, elas eram tão necessárias agora naquele quarto, palavras alí dentro, elas precisavam circular, parede com parede.

Ligou o som, ligou o computador, ambos conectados, um com todos os seus arquivos sonoros, e o som como voz para bits tocarem. Criou um play list inteiro com os melhores discos que tinha, e deixou as vozes ecoarem, quicando nas paredes e caindo dentro de seus ouvidos.

Estava eu alí com ela, estive acompanhando essa garota hoje desde que ela saiu de seu trabalho, e pude sentir suas angustias, pude sentir quando ela sentiu amor por pessoas que nem conhecia. Senti seu corpo respondendo enquanto ela comia um enorme bombom com muito chocolate.

Alí naquela noite, dentro daquele quarto pude sentir que nesta cidade haviam muitas garotas que deixaram seus lares, que largaram suas famílias, estavam sem a delicadeza de suas mães e sem a proteção de seus pais. E pensei que elas mereciam um bom homem junto delas, em seus quartos, um homem de voz suave e rouca, um homem no sentido digno da palavra que estivesse em pé olhando ela pegar no sono.

A voz rouca vinha das musicas que ela ouvia e se deliciava, este era seu homem no momento. Aos poucos ia aquecendo e abafando os ruidos assustadores da grande cidade. E ela foi posta para dormir.

Pedi permissão e adentrei em seus sonhos, queria completar o vazio de sua alma cansada.

Ela estava agora de volta a sessão de cinema, os trailers tinham passado e apareceu o título do filme : "Amor
Acrônimo". Um sujeito entrou na sala, e cambaleante caiu na primeira poltrona livre. Um outro adentrou, subiu e subiu, passou por sua fileira, mas desceu, entrou e sentou ao seu lado, pediu licença e acomodou-se, tentando fazer o mínimo de ruidos possivel.

Ela, curiosa empurrava os olhos o máximo que podia, para espiar as reações e traços da face de seu distinto companheiro de sessão. Ele, por sua vez mantinha-se quieto, comportado apenas tentando se mostrar íntegro.

O clima era estranho, como se o ar estivesse transmitindo sensações aos 2, partículas reticentes iam e vinham, se envolviam, dançanvam e trocavam de dono. Mesmo sem que isso pudesse ser visto era sentido, dava vontade de piscar mais, a vista parecia turva, os pescoços começaram a se mexer e os olhares se cruzaram mais de uma vez.

Apesar de nada realmente aconcetecer para todos naquela sala, ela sentia conforto ao estar com ele ao seu lado. E assim prosseguiu o filme, a sensação era mais importante e imponente que qualquer atitude.

Finita a exibição, esperaram os créditos finais, atores empregados, músicas tocadas, e fim do rolo...levantaram-se lado a lado, sorrindo, achando graça daquilo que só eles sabiam.

Mão com mão grudaram então. Sairam da sessão meio amortecidos, ela se sentindo tranquila por não estar sozinha, e com um mão tão macia lhe confortando. Oferecia ela também sua mãozinha de guria pequena e frágil.

Ele se sentia responsável por aquele ato. Mas mais que isso, sentia também um conforto em sua alma, caminhavam ambos sobre colchões, olharam juntos para o chão do shopping e riram novamente, não falavam, apenas percorriam o caminho que muitas vezes tinham feito sozinhos ou mal acompanhados.

Sincronicidade e Engrenagens

Pense em uma engrenagem de qualquer tamanho, presa a um mundo qualquer, sim, presa por uma barra de ferro à uma parede. Ela está presa e solta no ar, livre para rodar, mas sozinha fica difícil por demais, ela pensa, ela tenta, ela sente o vento a impulsionar.

Ela nasceu, e seus pais foram fazendo força para girá-la, seus pais estavem alí sempre acoplados, dente a dente, alimentando o movimento, impulsionando a cada instante. As vezes eles tinham que sair de perto, e sentir se o impulso era suficiente, ou se tinha que aplicar mais forças.

E assim a vida foi seguindo, muitas outras engrenagens foram aparecendo, professores e amigos, músicas e inimigos, amores e dores, viagens e doenças, religiões e crenças, desejos e frustrações. Tudo isso mexia com aquela engrenagem. E a velocidade nunca era constante por muito tempo. Bem como seu tamanho tambem oscilou, mas este sempre aumentando.

Porem uma lição importantíssima estava para ser aprendida, e seria esta a mais importante, juntando-se com a a velocidade e tamanho, a engrenagem teria que aprender sobre sincronia.

Mas sempre que a velocidade da engrenagem ia reduzindo ela se afobava, sentia que poderia ficar sozinha, para trás, seus pais não davam mais conta, quando se conectava a eles era como uma suave brisa vindo dos oceanos, e muitas vezes eles também enferrujavam na...era hora de saber se encontrar no mundo.

E mesmo ela sendo de metal, com dentes fortes, ela esqueceu-se da física que havia aprendido. A primeira lei, 2 corpos solidos não ocupam o mesmo lugar no espaço, e da questão da velocidade, quão maior a engrenagem associada, maior a velocidade e força que ela nos imprime.

Rapidamente ele tratava de se enconstar e se ligar a rodas dentadas que lhe apareciam pela frente, algumas mto pequenas, se esforçando, muito rapidamente rodando. Essas artimanhas chamavam a atenção, mas estas velozes rodinhas rapidamente se cansavam, e sumiam, ou então, muito comum era elas se adormecerem ao lados da nossa querida engrenagem, deixando toda a força dela os alimentar.

Muitas vezes nossa querida engrenagem reduzia sua velocidade para conseguir se encaixar as rodas lentas simplesmente porque estavam próximas, deixava de lado aspirações para estar com estas que muito dizem e nada cumprem, que culpam todos os problemas por não achar solução. Mas oras bolas, um problema é uma solução em potencial?!?!

Poxa, então ela estava presa a algo que não ajudava, ao invés, revés. Lhe sugava energias. Agora não havia espaço para outras associações, aos poucos ela tentou se ligar a uma religião, seus dias até ficaram melhores, mas ela ainda teria que experimentar muito para decidir. Ela queria fazer arte, barulho, queria espirrar tinta em muros antigos.

Ela foi tentando remover as pequenas engrenagens que já estavam mortas ao seu redor, como uma reforma nos dentes, buscando um novo brilho, foi reduzindo sua propria velocidade, notando que aos poucos aquilo que havia se agarrado a ela ia se soltando, caindo como uma praga cai morta quando já não reconhece um bom hospedeiro.

Sentia-se bem melhor, mais leve para correr, mas teve um estalo em sua barra metálica, sinais de dor e cansaço estavam impressos, mas esses sinais foram mais que alertas, foram uma nova luz brilhando em seu caminho. Ela lembrou de seus pais, professores, amigos distantes, que por muitas vezes lhe deram muito em tao pouco tempo de ligação.

Ela parou, completamente parou, muita gente conhecida se assustou ao ver aquele objeto de trabalho alí estático, muitos julgamentos ocorreram em volta, muitas voltas dadas a toa, muitas voltas apenas para machucar. Muitos acharam que era seu fim alí, a grande maioria pensa que ao parar não há forma de voltar a girar.

Dentro daquela engrenagem existia uma força que estava por vir, e ao parar ela pode contemplar o mundo todo a sua volta, e viu com mais clareza tudo aquilo que valia a pena em sua nova vida. Ao mesmo tempo que tomava novas doses de consciencia ia alimentando a força motora lá de dentro. Todo objeto, mesmo parado tem sua força, e alimentada por essa força a roda fez aquilo que deve ser feito, girou novamente, mas agora muito mais espontanea e graciosa, oras, como uma roda de ferro dentuça pode ter seu charme. Aquela era a prova, mesmo sendo identica a todas as outras no mundo, ela era diferente.

E o gira-gira da rodinha, era pueril, com toques de maturidade, sem a ferrugem da velhice e da ansiedade, a graxa dava o ar da graça em formas de aromas agradáveis. Essa nova investida contra o mundo trouxe-lhe novas amizades.

Junto com tudo novo que viria ela agora tinha olhos para ver, ouvidos para escutar, antes de se ligar dente a dente ela tinha noção de futuro, sabia que não podia mais emperrar. Vislumbrou grandes associaçoes de engrenagens, concorreu para participar com elas de um grande trabalho gratificante.

Conheceu uma grande roda, lenta para quem enchegava de perto, mas muito produtiva a quem se coligava. De cara não ligou, foram se conhecendo, dia apos dia, noites por vindouras, e sentiu que esta grande roda secundava muito suas vontades e necessidades. Um ritmo forte e constante se iniciou em sua vida.

Um certo dia, ao abrir bem os olhos e olhar em volta, estava as duas juntas, na mesma velocidade e mesmo tamanho. Tudo estava acontecendo tempo depois de tempo, o sentimento de não ser nada alem de metal bruto havia passado, ela via além das engrenagens, ela via que as voltas dadas faziam o mundo todo girar, que graças a elas, engrenagens, existia energia nos lares, existiam grandes relogios, maquinas que constroem as civilizações, que por sua vez são um outro tipo de organismo que tenta se afinar e tocar em uma bela harmonia sonora.

18 março, 2010

duas coisas

Tem alguem que sempre me leva pra casa
Casa = qualquer lugar com você

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como posso curar a saudade
de algo que nem ao menos existiu
digamos que interferiu na minha vida
mas não tem hora marcada pra voltar
só aparece nos momentos impróprios
e sempre parecendo me enganar

17 março, 2010

quem sou eu, quem fui eu, que fiz eu

Um dia eu fui comprar coca e escorreguei na arei fina que estava por sobre os paralelepipedos e a garrafa bateu contra o chão, era um casco de vidro, era 1987, e muitos discos bons estavam sendo lançados, mas eu nao sabia ainda. Fui parar no hospital tomar 6 pontos na palma da mao, que estão aí marcados até hoje, assim como os discos de 87 estão sendo tocados até hoje.

16 março, 2010

apontando pro céu

Seu recado me pegou desprevenido
Estava eu distraído, com algum avião
E então, nem percebi a turbulência lá de cima
A turbina atingiu meu quarto
Enquanto sozinho eu sonhava,
Sozinho estava, e não sabia

Por alguns instantes admirei o horizonte
Por dias a fio tentei sustentar a cabeça
Apoiada sobre meu próprio ombro

Horas, oras e sem nada mais a carregar
Joguei fora minha cabeça, a fiz voar
Movi meu corpo para fora, o fiz mudar
Contei para todo mundo que havia desistido
Voltei pra cama e deixei tudo desmoronar

Ao deitar não via mais o teto
Via o que meus olhos queriam ver
Aquela vizinhança já não me conhece
A garota olhou para meu lar
Sentindo que algo existia lá

Os rastros persistem, as sombras seguem sem corpos
O velho vai dar lugar ao novo aos poucos
E de novo nascer em algum outro país

05 março, 2010

Cabisbaixo te vi

Via, via, via expressa
Atravessar, tentando retornar
Ao meu lar, de onde fui tirado

A vontade de fugir
Ou de ficar, alí, estatelado
No meio da rua deitado
Feito um papelão, pisoteado

Fez vc, papelão,
me fez assim então
Fez vc vindo na contra mão
Agora eu penso apenas, por um ou outro lado
Nada mais pode dar errado

Separo a papelada
Numa carrocinha que se move, está largada
Via força humana, via suor e desgraça
Me deixo levar
Quase sem peso vivo
Minha carcaça se exauriu
Mais uma folha virada, levada pelo vento