Todas vezes que entrei em um casino, num bordel ou numa igreja eu sentia a mesma sensação. Um sentimento vago, um certo desejo, mas ao mesmo tempo uma forte necessidade, que era o que realmente me movia para dentro. Não que eu queira comparar os 3 lugares, de forma alguma estou querendo traçar um paralelo, são apenas relatos que quero fazer de minhas emoções aflorando pelos poros, fazendo de minha pele um caderno das minhas historias e sentimentos ao longo dos anos.
Eu ia para o bordel para conseguir amor, um amor que minhas entranhas necessitavam tão cruelmente, que me torturavam, como se fossem um organismo estranho ao meu corpo. Entranhas estas, que me magoavam sem dó. As semanas se passavam, talvez meses, porem chegava um momento que era impossível continuar me submetendo àquelas dores, aquela corrosão interna. Sucumbia então a tal necessidade, e me arrastava feito um animal sedento por sangue. Até meu coração se aquietava, pois, meus desejos também seriam saciados la dentro. Mas não era só isto. Pois uma necessidade é sempre mãe ou pai de outra. Assim como um vício perturba a cabeça, ao ser saciado, ele se vinga em um orgão do corpo, com algum tipo de flagelo. Não existe compaixão num vício. Ele tem vida própria, e não tem um ponto fraco, pois nós somos seu ponto fraco.
Dias e dias se passaram, as refeições estão em falta. Aquele jantar com a família, ou aqueles amigos já não existem mais. Acordando alquebrado todo dia, espreito pelo meu apartamento, ando como se não estivesse em casa, tentado silenciar qualquer ruído para não ser notado por vizinhos ou transeuntes, luzes apagadas, cortinas de trapos tentando esconder o máximo que poderiam, tudo tem uma fresta. Me desloco até meu cofre, sob o assoalho, uma pequena caixa de sapatos imunda. Pequena como meus pés o são. Abro-a e recolho algumas notas largadas. Estou muito fraco para trabalhar em alguma coisa, e então reservo certas economias de tempos em tempos. Vou para a jogatina, chamo de casino, mas não passa de um porão, todo tipo de jogos ilegais por lá me aguarda. Busco sempre o grande premio, aquele que vai me trazer paz para sempre.
Percebo uma enorme porta aberta, vejo uma seta brilhante apontando la para dentro. Esta seta flutua diante de meus olhos, pisca, irradia luz suficiente para que eu aperte as pálpebras, tentar proteger os olhos, mas o coração coitado, é aquele mais desprotegido e vulnerável. Corro para dentro. Busco um canto dentre tantos bancos centrais, a figura de Jesus crucificado em meio ao fundo do salão. Aquele homem de preto, sozinho caminha de um lado a outro, como se eu nem estivesse ali. Mas tudo bem, não confio nele mesmo, entrei aqui pois preciso da minha dose de fé. Salvação, paz para minha consciência perturbada. Me recolho todo, aperto minhas mãos fechadas uma contra a outra, começo a suar e rezar como um demente culpado, buscando ser absolvido num tribunal, este que me persegue, todos os membros do juri estão dentro de mim, nunca esqueço, nem por um dia, tudo que devo ao universo. Mas por segundos consigo expandir minha alma, e tudo parece mais calmo. Não pensem que entrei para pedir sorte no jogo, entro em diversas igrejas pelas cidades que vivo ou vivi, pois começo a queimar por dentro. A solução passageira é esta, sigo tentando, sigo buscando, mesmo que as escuras, de olhos fechados, tateando. Usando do pouco vocabulário que sei aqui dentro, tentando achar o modo correto de pedir perdão.
Estes 3 desejos regem minha vida, eles são baseados em necessidades. E eu nunca consigo resolvê-los por completo e seguir o caminho da vida. Talvez porque eu ataque eles como um animal selvagem ataca sua presa. Todo dia é um nova luta, caçar, se esconder, lidar com a sorte e inúmeros fatores que podem complicar o alcance ao objetivo. Um leão come aquilo que pode quando tem a carne em sua frente, não sabe nem onde nem quando vai encontrar o próximo alimento. Eu sigo um preceito parecido, e não luto todo dia, vou me deixando enfraquecer, com isto os problemas tendem a crescer, tendem ao infinito muitas vezes e eu sinto que pode estar chegando a fatídica hora final.
Dentro do bordel, diversas vezes me apaixonei, de diferentes formas senti o amor sendo irradiado dentro do meu corpo, e na maioria das vezes, era tão expansível que se estendia pelos limites corporais. Eu chegava na porta do lugar e respirava fundo, como num exercício, pensava na criatura a qual direcionava meu amor e podia tocá-la com meu sentimento. As ondas voltavam até mim e eu sabia, infalivelmente, que ela estava lá dentro em serviço aquela noite. Eu esperaria até o dia raiar só para estar alguns minutos com ela. Não importava a quantidade de clientes que com ela estivera, ou estariam ainda, eu permanecia mudo, quieto, estático num canto esperando a minha vez. Ao entrar no quarto com a escolhida por meu coração eu ficava sentindo diversos tipos de perfumes, me sentia agraciado por aquele momento. Porem não haviam forças maiores que me fizessem dar continuidade a este desejo, faze-lo crescer e durar. Era questão de alguns meses e eu me sentia tão apático que gerava uma distância enorme entre os 2 seres queridos, eu e a simples donzela da vida, que então o vaso ficava seco para qualquer rosa florescer.
A necessidade vital da fome me chamava e eu buscava um casino. Um ambiente que no geral é parecido com qualquer bordel, esfumaçado, com aromas diversos, na sua maioria, repelentes ao meu olfato. Porém dentro do bordel, por algumas vezes eu me sentia absorto em bons sentimentos. Dentro dos casinos apenas a ganancia predominava. Muitas vezes eu entrava robótico, depositava moedinhas em máquinas, esperando pelo milagre da multiplicação. Noutras, sentava em mesas, totalmente letárgico. Talvez esta falta de expressão muscular me ajudasse a ganhar uns trocos no poquer, era difícil alguem ler minhas reações, meu rosto era praticamente uma tela em branco. O dinheiro era ralo, era suado, não pelo esforço, mas pelo ranço de todos aqueles companheiros de jogo. Minha aparência não despertava qualquer inveja, o pouco que eu recebia servia me para comer e beber. Alias, logo após sair com uma quantia razoável para o mês, eu ia primeiro beber, buscava 2 coisas neste ato: anestesiar e esquecer. Comprava no supermercado garrafas de álcool barato. As primeiras doses me deixavam anestesiado, não tinha erro quanto a isso. Mas eu ia alem, buscando causar uma amnesia para aquela noite. Sem dúvida eu gostaria de apagar todo meu passado, mas realmente, esquecia no máximo os fatos da noite. Rolava para casa, inchado, exaurido de sentimentos e forças. Me largava no colchão de palha que ficava no chão do meu apartamento, ligava o rádio e dormia sem ouvir sequer uma canção. Acordava com ele, o rádio, gritando qualquer notícia em minhas orelhas e como um cacoete adquirido por anos, buscava as notas salvas em minhas meias, que ainda estavam calçadas em meus pés. Guardava as notinhas suadas, não pelo esforço do trabalho, mas pelo calor e liquido exalantes em meus pés. As punha dentro de meu cofre. Fazia isto ainda de olhos fechados, pois meu corpo ainda não acordara. Alguns sentidos estavas dormentes, outros já se faziam presentes, usava apenas o tato e a audição nesta rápida tarefa. Então tentava sintonizar alguma música agradável no rádio. Alguma que pudesse servir de oração aos amores apertados em meu latente coração.
Dizem que a casa de Deus está sempre de portas abertas, pois então eu nunca visitei Deus. Neste dia, busquei como busquei a seta brilhante apontando para dentro de altas portas, e os malditos estavam mantendo as tais portas fechadas. Imaginei um complô contra mim, não queriam mais um farrapo imundo de oficina mecânica dentro de seus suntuosos ambientes banhados a ouro, regados a vinho, buffets enormes de comilanças para aqueles ditos nobres senhores que apenas rezam em toda sua segurança, enquanto imundos como eu infectam as ruas. Eu via em seus rostos o desprezo, eu era a doença das ruas. Eu sei que se eu cuspir em qualquer sarjeta estarei espalhando a doença dos meus pulmões pelas ruas. Mas praqueles pomposos padres o simples fato de eu respirar e tocar em coisas era profano. Eu não queria lutar, não queria ter razão sobre nada nesta vida, então entrava discretamente, fazia força, mão contra mão, buscando tornar o mais rápido possível minha estadia ali dentro da casa que tentaram dar a Deus.
Meus desejos e necessidades, eram 3, eu não os considerava os mesmos, no fundo se tratavam de 6 sentimentos distintos, mas na prática, funcionavam como apenas 3. As vezes me sentia sortudo por tal casamento, tudo que eu quero eu necessito. Mas eu nunca consegui mantê-los comigo, durando, perseverando e alcançando novos níveis. Eu ia sempre em busca de um novo animal dentro de mim. Caçar, latir, uivar, miar, rastejar, morder, me contorcer de dor e prazer, essa era a linha da minha vida de extremos, da dor ao êxtase. Eu estava viciado nesse modo de vida, e parecia que só assim era possível viver.
A carência fazia minha frequência cardíaca aumentar, eu fazia de tudo para me segurar, para tentar me livrar deste desejo, mas era também uma necessidade básica de vida. Sentimentos confusos, amor que anula dor, carinho que anula carência, um olhar de alguem que te faz existir no mundo, que quebra minha solidão. As mulheres da vida entendiam e se entregavam a mim, talvez sentissem em mim um sentimento um pouco mais nobre do que os habituais clientes, aqueles que gozam britas dentro delas. Eu conseguia dar-lhes algo mais, mesmo que vomitado de uma vez, havia um certo calor além do humano carnal, havia uma onda no ar, batendo pelas paredes, reverberando de coração em coração. Ali dentro a minha necessidade encontrava o desejo. A carência lidava com o amor, de mãos dadas, os sentimentos se harmonizavam como música, o pacto estava selado por fluidos corporais. Me deitava e via uma vida toda pela frente, com continuidade, como na maioria das famílias do mundo. Eu via o filme, que nunca se tornara realidade.
Dentro do casino eu aspirava o grande prêmio, aquele que me daria condições de ser livre. Ter um lar justo e seguro, ter dinheiro, mesmo que ralo, mas diário para comer e beber. Eu estaria livre da obrigação, estaria flutuando pelas calçadas, os buracos não me fariam tropeçar mais. Compraria um tênis macio, andaria com uma postura ereta. Não teria que me esconder em becos, esperando achar a sorte. Não sentiria mais a fraqueza e o corpo moído pelas entranhas gritando por alimento. Saberia dosar a comida e seguir vivendo, me alongando. Com as pálpebras mais abertas, reparando melhor nas coisas do mundo. Mas a necessidade gritava, e me tirava a concentração, mecanicamente eu buscava o jogo, pensando em sanar as dores de fome e sede. Esquecia totalmente meu desejo de uma vida em paz.
As marteladas do meu tribunal eram como uma obra sem fim, nunca todos os pregos estavam no lugar, e os membros do juri eram juizes diretamente, cada um por si, batiam e batiam seus martelos e marretas. O tambores eram meus tímpanos. Ruído incessante. O volume estava sempre aumentando, até que eu nada podia mais ouvir que viesse de fora. E tudo ficava sério, eu perdia meu equilíbrio para caminhar, e titubeante procurava por uma seta verde, indicando a porta. Dentro da igreja eu suava, encarava todas minhas culpas, meus erros, meus crimes contra o universo. Buscava paz para tudo isto, este era meu desejo. Mas a necessidade falava mais alto, eu precisa calar os tambores, ou pelo menos tentar reduzir a intensidade de sons dentro da minha cabeça. Eu sabia que uma vida de fé seria como ouvir música tocando, troca-se o juri por uma filarmônica. Mas fé em que? Não conhecia outro mundo além deste que vivo, nem sei mais se posso chamar de vida. Parece mais que tropeço, vivo ralado, rolo por barrancos, barranco acima, pois pra baixo seria muito fácil.
Anos se passaram, assim como previ, nenhum anjo veio me salvar, não ganhei aquela grana que duraria "para sempre" e muito menos vivi o amor com alguém fora de um bordel.
Meu corpo gasto, até o ultimo orgão, todos trabalhando ainda apenas porque não saberiam viver de outro modo, mas esgotados, cada batimento, cada bombada de sangue parecia ser a última. Cada piscada de olhos, buscando lubrificar, cada tremida de nervo, parecia dar um ultimo adeus a vida como conhecemos aqui neste mundo.
Então me dei conta de algo muito importante. Deus, o que será de mim? Pois eu não aprendi nada novo. Digo, eu cresci, de algum modo tive habilidades para sobreviver em meio ao caos. Sabia me esquivar, sabia caçar, sabia amar uma mulher sobre a cama. Mas vivi disso por anos a fio, repeti a dose todos os dias. Mas não aprendi nada novo. Não derrotei os obstáculos, eu seguia pulando todo dia. Sabia sempre onde eles estariam, mas não buscava meio de vencê-los de uma vez por todas e quem sabe encontrar novos desafios. Então eu não precisava de ninguém mais, eu estava morrendo, este corpo iria desaparecer. Pele e osso virariam poeria rapidamente, o vento faria o serviço.
Mas a pergunta final era, para onde irei, visto que sei que existe algo mais dentro de mim que não é feito de carne, que não precisa de sangue, que nem mesmo precisa da massa cinzenta. Meus desejos, que viveram dentro de meu coração, eles não eram parte do meu corpo, eram parte de algo muito maior e valioso para nossa raça.
Não demorou muito para a resposta vir, e veio por mim mesmo, afinal eu soube a vida toda, que quem vive sempre fazendo as mesmas coisas, vai encontrar os mesmo resultados a frente. E eu soube de imediato que se realmente eu tivesse outra chance mais adiante, eu voltaria para este mundo, para continuar de onde parei. Pois ele é o que eu conheço melhor, uma vida toda andando em círculos.
Uma paz interna irradiou-se dentro de mim, uma compaixão enorme reverberou em meu tórax e minha consciência se calou. Fui me embora, dei um pequeno passo naquele momento, mas foi o maior de toda minha vida, foi aquele que me levou mais longe, e que me tomou menos tempo para chegar mais perto de alcançar meus 3 desejos, e largar de vez as 3 necessidades, meu vícios.
22 janeiro, 2010
Meu 3 desejos, necessidades
12 janeiro, 2010
Só
Não fui, na infância, como os outros e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza, e era outro o canto, que acordava o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba da tormentosa vida, ergueu-se, no bem, no mal, de cada abismo, a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte, da rubra escarpa da montanha, do sol, que todo me envolvia em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade, daquela nuvem que se alterava, só, no amplo azul do céu puríssimo, como um demônio, ante meus olhos.
Allan Poe
11 janeiro, 2010
Estado do Espírito
Parecia que alguém brincava com a atmosfera esta noite. Cheguei em casa me sentindo estranhamente bem e ao abrir a janela as cores contrastavam mais do que o normal aos meus olhos. Meus sentidos pareciam aguçados como se eu estivesse em contato com alguém mais, que estava ali diante de meus olhos, mas estes não podiam detectar ainda qualquer presença. Meus poros no entanto estavam atentos e davam sinais de algo envolvendo minha aura.
Então comecei a conversar comigo mesmo, e consegui sentir pessoas falando dentro de minha cabeça. Muitas frases ditas em diferentes épocas de minha vida começaram a reverberar dentro da caixa craniana. E era como ler um livro, ou ver um vídeo clipe musicado com as melhores cenas de um bom filme.
De certo modo comecei a me sentir em outro lugar do mundo, não diria outro país, mas como se estivesse em outra dimensão, outro estado de espírito.
Fico imaginando se alguém pudesse estar ao meu lado agora, talvez achasse que estou cego, que meus olhos nada veem, o que seria uma prudente observação, pois eu estava acenando para os meus amigos que estão atrás da cortina e não poderia perceber se um falcão pousasse em meu telhado.
Esqueci de descrever onde estou, como é o lugar em que me encontro neste momento. Sempre que chego em casa, vou ao meu quarto. Para alcançá-lo devo subir um lance de escadas, sigo reto pelo portal da porta e viro a esquerda, onde tem a janela, geralmente fechada quando chego em casa, juntamente com as cortinas de cor crua. A luz que irradia através dita meus próximos movimentos, algumas vezes passo direto feito um zumbi, vou ao banheiro, que fica atrás do quarto, e depois me largo na cama. Mas neste dia a luz estava quebrando meu sono e eu me sentindo enclausurado. Abri bem as folhas da janela e removi as cortinas para os lados.
Debrucei-me sobre a madeira que serve de apoio ante o telhado de baixo, e busquei os céus com meus olhos a princípio. Realmente estavam dizendo algo por cores, e pelo canto do suave vento. E bem na hora que sorvi o ar fresco e este estava rodopiando em meus pulmões pude sentir que estavam eles bem próximos de mim.
Desde sempre, chegar em casa sozinho no meio da madruga me gerava certa consternação. Me sentia pequeno sob todas as camadas da atmosfera. Mas nesse dia eu me sentia completo, não havia ninguém ao meu lado, fisicamente falando, mas eu tinha aquelas vozes ressonantes, e tinha um céu com cores vivas no horizonte.
Será que estava vivendo de mentiras esperançosas criadas por minha própria cabeça? Seria isso um tipo de droga que fui aperfeiçoando com os anos e agora eu mesmo me dopava? Os melhores anos de minha vida, e quem eu sempre encontro, o céu.
Mas dessa vez ele estava se movendo, talvez fosse uma dessas estranhas noites de verão que ocorrem depois de um longo dia quente, depois da tempestade de final de tarde, o ar noturno fica bem fresco, me fazendo esquecer que no próximo dia estarei suando ao acordar. Toda essa sensação me anestesiava, e me levava para outro estado de espírito.
Eles sentiram que eu me aquietava e puderem ir chegando mais perto, alguns estavam logo atrás da bananeira. Outros eram tão suaves, tão dissolvidos no ar, que eu já os respirava para dentro de mim.
Claro que neste momento eu não tinha toda essa percepção, eu tinha noção, era como ouvir um russo falando, sabendo que palavras estavam sendo articuladas, mas do som delas eu ainda não conseguia tirar discernimento do assunto, da mensagem que estava sendo proposta. Porem, os fatos a seguir narram o real encontro e talvez uma plausível explicação.
Minha visão era como uma tela, ou melhor, era como se eu pudesse ver em camadas, no fundo eu tinha meu quarto, mas no primeiro plano, como num papel manteiga de opacidade bem reduzida projetava-se a imagem de outrem me chamando com as mãos para que eu me deitasse na cama e amansasse os poros e nervos.
Deitei, sentindo um tipo de êxtase etéreo, piscava meus olhos, sentia meu corpo funcionando feito uma máquina bem regulada e lubrificada. Minha respiração estava bem calma e silenciosa, era como se o ar apenas passasse por mim, sem que os orgão tivessem muito trabalho, o vento soprava singelo adentrando ao quarto. Lembrei me de uma bela música e seu nome, uma frase em latim me explicava o poder da vida no universo. "Spiritus flat ubi vult", ou melhor, "o vento sopra onde quer".
Pensar nisso me deu uma enorme paz no coração, fui me entregando mais a vida e aos fatos. Então me levantei, tive a sensação de que muitas pessoas passavam em frente a minha casa e quis ver quem eram eles. Me desloquei até a sala de TV, ainda no segundo pavimento de minha casa, de lá eu teria a visão que estava procurando. Mas eram tantas pessoas passando, e numa velocidade que nem existe, como quando colocamos uma bicicleta de ponta cabeça e rodamos seus pneus, o movimento em certa velocidade se confunde de direção, pra trás e pra frente existem no mesmo instante. Então não notei formas definidas, pudê apenas sentir seus aromas e notar seus rastros, e eles irradiavam uma luz vermelha alaranjada, tornando desta cor todos os objetos em volta. Mas eles eram luz pura, amarelos, vivos, pacíficos e seguiam de casa em casa, dando esse passe energético enquanto os corpos de todos os moradores repousam e apenas seus espíritos vão haurindo a força que ao acordar não podem se recordar de onde veio.
Um certa faixa de luz começou a se deslocar em direção da entrada da minha casa, como um rio desaguando em uma lagoa, lá estava um filete de luz se aproximando da minha garagem. Comecei a sentir um forte frio na barriga, e a coluna quis se encurvar mais que podia. Os pelos ouriçados por braços e pernas e eu parecia tomar uma suave descarga elétrica. Aos poucos a tensão foi saindo, fui sentindo uma certa massagem por todo o corpo, e toda esta loucura parecia mais fácil de se conceber de repente.
Aos poucos a garagem se encheu de luz, e esta começou a invadir a casa primeiramente por frestas, depois atravessou a porta feita de densa madeira, como se fosse um líquido, adentrou ao meu ambiente seguro. Eu estava na sala de cima, e a luz na sala abaixo, mas a claridade já era forte e radiante, não demorou para começar a subir a escada, assim como uma cachoeira sobe a montanha, ao invés de cair pela rochas. O bater de meu coração estava calmo como o gado geralmente é ao pastar, meu olhos se fixaram nos movimentos da luz. Assim como a garagem escurecia, a escada se iluminava e uma torre de luz se formou ao cume, no segundo andar da casa.
Parou de se mover lateralmente e começou a girar em torno de si mesma, ou como um rodamoinho e aos poucos o ser de luz tomou forma, foi mostrando seu rosto, tentando definir-se como forma humana. O processo deve ter durado uns 10 ou 15 segundos, mas a passos curtos e rápidos, parecia não sair do lugar, morfando, criando, refletindo meu rosto na sua luz.
Tomei um baita susto, e assim o ser de luz ficou, congelado, olhos arregalados, assim como os meus estavam, pouco importando com a dor da claridade que feria minha íris. Não conseguia nem piscar diante de tal fenômeno. E com muita calma ele acenou e eu entendi que deveria me deitar novamente a cama. Assim lentamente pus pé frente a pé, tentando não errar o movimento básico que se chama caminhar, e deitei suavemente.
Oh luz, que queres de mim, pensei, ao deitar-me, e senti seu toque entre meus olhos. Deixou um feixe sobre minha testa, como se fosse um bastão. Eu sentia meu pensamentos sendo sugados para fora de meu cérebro, eu podia vê-los saindo em forma de imagens e sons. Era como aquelas brincadeiras que tínhamos na escola, onde o nome dos desenhos de animais, objetos e outros formavam palavras ao lermos a frase. Eu via meu quarto escuro e uma suave névoa sobre minha cabeça.
Não fechei meus olhos, mas a visão agora era controlada por este ser de luz, e eu não estava mais apreciando meu quarto e sim um tipo de espiral que deveria ser o a forma em que meus pensamentos eram carregados para outro corpo. Sim, estava certo, pois apareceu outro ser diante de minha visão, este sob um enorme capacete, onde deveria estar receptando tudo que era meu.
Existia outro aparelho, 2 esferas girando com extrema velocidade, a menor em cima recebia tudo que era sentimento, entendia, separava e mandava armazenar na esfera maior inferior. Eram prateadas e pareciam energizadas por uns feixes dourados de luz.
Sentindo-me extremamente leve eu via que tinha voltado ao quarto, me sentia seguro, tudo que acontecia comigo era ligeiro e eu percebi que as explicações estavam sendo dadas durante todo o processo. Meu cérebro parecia agora ser capaz de entender um monte de novas ideias com uma facilidade enorme. Era como se eu estivesse vazio de tudo que não presta, e pudesse gastar toda minha vida novamente. Mas ao mesmo tempo toda a bagagem acumulada estava comigo, eu não tinha esquecido nada, não estava emburrecendo. Era eu, o mesmo jarro, porem com espaço de sobra pra me encher de um novo suco mais saboroso.
Aproveitando o ensejo e o contato, eu tentei me comunicar, mas nada perguntei, apenas comecei a obter algumas respostas automáticas, mas totalmente direcionadas a minha pessoa.
Não eram palavras, mas sensações que tentava traduzir inutilmente, elas vinham como arrepios, ou lufadas de ar, outras como sangue novo em minha veias, sendo injetado, outras como lampejos em meu cranio. Toda essa atividade cerebral me cansou, e de uma maneira, que meu corpo precisava descansar, forçando um desmaio.
Avistei 3 seres flutuantes próximos de mim, alçavam voo, e mais ao longe se uniram e juntos foram polvilhando partículas de luz no ar enquanto se despediam. Pude ver ao meu lado uma pata sumindo, e a luz ficando mais fraca. Desta vez ela não escorreu, apenas se dissipou como se formasse uma solução com o oxigênio. E foi enfraquecendo e sumindo até que eu adormeci e o breu tomou conta da minha vista.
Acordei. Um luz penetrava por minhas pálpebras, porem era a mesma luz do sol que vejo todo dia entrando pelas janelas. Uma luz que me fere muito mais do que as luzes de ontem.
Ainda zonzo, busquei pela memória tudo aquilo, sentimentos confusos, parecidos com um sonho arrebatador, daqueles que correm na velocidade da luz e despejam infinitas cores, imagens e sentidos que ao acordar fazem a cabeça latejar, ou como um motor de carro super aquecido, vai esfriando e estalando.
Eu tentava lembrar dos fatos, e narrar tudo novamente para mim mesmo. Porem mais importante que tudo, comecei a pensar na vida e novas formas de associação. Lembrei de alguns brinquedos que eu tive, e como eu queria que eles ficassem sempre novos e intactos, mas com os anos iam se deteriorando. Riscos, peças quebradas, todo o brilho de partes transparentes agora opacas. E aqueles seres de luz tinham alguma relação comigo. Uma frase estava guardada dentro de mim e saiu como que ditada, pronunciei em voz alta:
- Sua alma não é como um brinquedo, ela se renova a cada instante, a cada ano, a cada século, o brilho tende a aumentar, as formas riscadas e estragadas vão sumindo e essas camadas se tornam parte de um passado remoto, que você apenas irá se lembrar através das visitas que fizeres aos seus irmãos.
A alma nasce em água barrenta. Cheia de sedimentos, somos um copo desta água. Durante a vida vamos aprendendo a purificar, nos livramos dos detritos, passando por diversas vezes em filtros e vamos buscando clarear as idéias, até o dia, em que estaremos puros e cristalinos. Nada teremos mais a esconder. Não mais seremos agressivos a outrem.
Portanto não temas, apenas viva cuidado de tudo que tens como sempre fizeste e eu te encontro lá, acima de tudo, um dia.
05 janeiro, 2010
por mim, o amor
O amor não é um sentimento apenas
São vários, aglomerados
O amor é uma árvore onde nascem frutos em novas temporadas
Onde a cada dia se desenrolam tenras folhinhas
E sua beleza está sempre renovada
Onde podemos podar um galho e ele volta mais forte
E o chão fica repleto de um tapete colorido
Para o amor se deitar.
Hoje eu ví seu pé no meu gramado
E eu quis congelar esse momento
Fiquei respirando o seu ar
Não existe culpa no amor, quando ele é livre
Mesmo sem dono, voa pelo ar, é de quem quiser sentir
O amor é como o banho que você toma a cada dia
Eu espero na porta do banheiro para sentir sua essência renovada
Agora sou egoísta, quero o primeiro vapor a sair de seus poros
Porém, sua beleza eu divido com o mundo
O amor é a chuva, repartindo-se em pingos
O amor é um saquinho de amendoim, onde nossas mãos se encontram
A paixão do comeco, serviu para nos colar
Mas o sentimento puro e infantil do amor
Ah, esse eu tenho certeza, nunca vai acabar.
as fases da lua
Ela passou a noite sentindo o clarão
O rosto de alguem iluminava-se no teto
Mergulhando em sua mente
O movimento se repetia a cada instante
A cama parecia suar
Os olhos ardentes, como em sauna
E uma fumaça que não intoxica
Amortece o corpo
Cristais de vidro cobrindo o chão
Reluzem os mil retratos do teto
E os olhos piscam buscando uma lágrima
Que nunca chega, pois está do outro lado da cidade
Esperando ser encontrada
04 janeiro, 2010
descansando sobre os escombros
E depois de tantas eras, épocas e gerações
A cidade tremeu, cansou e cedeu
Blocos inteiros começaram a ruir
A terra sob nossos pés está cedendo
Como quem reclama, pede por um refresco
Clama por descanso depois de tanto peso e sufoco
Todos estes prédios, que surgiram sobre casas
O peso se multiplicou, a falta de respeito só se fez crescer
Não duvido um dia eu chegar e ver a cidade descansando sob os escombros
Sentindo o concreto evaporar
O vento assoprando as areias para longe
Os poros se abrindo para novas construçoes surgirem
E a cidade volta a respirar, agora deserta
Mas, de certo, muito melhor
De volta ao estado natural
E as lembranças suaves, cativas em meu coração.