Exaurida, ela buscava abrir espaço para chegar ao ponto de ônibus, já não sabia se as calçadas eram apertadas ou se a população tinha engordado em volume e quantidade. Poças d'agua estavam ali como obstáculos a se transpor, e ondas de água cinzenta vinham das ruas. As grandes latas de sardinha vinham lentas, transpunham semáforos lentamente, era incabível, mas paravam no verde, e não podiam passar enquanto vermelhos?
Assim, elas se arrastavam ponto a ponto e as sardinhas subiam, elas ainda tinham suas cabeças, mas dentro da mente desta garota eram apenas peixes estúpidos, para entrarem numa lata tão apertada, que se deslocava mais lentamente que passos dados em um asilo, por pernas enrugadas.
Doída, quase doente, foi se arriscar a pegar uma lata velha, compartilhar virus, cheiros, desgostos de um dia inteiro. Se um dia parece tão longo assim, que dirá vivermos 80 anos?
Morar numa cidade confusa assim mexe com as cabeças, mexe com o psiquico das pessoas, elas são obrigadas a correr todos os dias com seus trabalhos, tudo deveria estar pronto ontém, mas na hora de ir embora, o caos impera, e as rodas lentamente se movem. Como fica a ansiedade, pensando nos afazeres do lar? Como fica a fome, viajando de estomago vazio.
Não estava nem perto ainda do ponto de descida, mas ela apertou o botão, encolheu a barriga, chutou muitas canelas com seu sapato de bico duro, com as respiração ainda presa, desceu os 2 degraus da condução.
Ao descer não sabia porque ainda se sentia mal, teve que gritar, e ao abrir a boca sentiu um ar mais fresco entrar, só então, lembrou-se de respirar fundo. Usou pedaços esquecidos do seu pulmão, foi mais que agradável aquilo, foi tão celestial que pensou se poderia fazer de novo. E vez! Soltou o ar lentamente, mas fazendo força, e sorveu para dentro novamente todo esse material invisível e gratuito por vezes esquecido.
Muito bem, ela agora tinha espaço em volta para caminhar e sabia que os pulmões estavam funcionando. Sem medo de inalar qualquer cheiro agressivo, saia tocando plantas, e estas respondiam com aromas da noite. A fome era grande, mas aplacada por uma sensação de tranquilidade. Passava ela ao lado de vendedores de milho cozido, barraquinhas de lanches, tudo isso ia alimentando através do oxigenio.
A liberdade adquirida lhe deu forças e coragem de pensar, e seus desejos lhe conduziram ao cinema mais próximo. Adentrou ao shopping, novamente um certo pânico ao ver lojas cheias, o que por um lado foi bom, não a afastou dos planos de ir verificar a programação das salas de cinema.
A regra que lhe veio a cabeça foi, vou escolher a proxima sessão, não importa o filme, e não quero me sentar sozinha.
Foi a frente do caixa e passou os olhos pelos horários sem se preocupar com os contéudos que seriam exibidos. Escolheu o mais próximo da hora corrente, comprou o ticket, comprou pipocas e um balde de refrigerante.
Sala vazia, qual mesmo nome do filme? Não importava, estava ela analisando os candidatos a sentar ao seu lado. Muitos casais, alguns velhos, muitos em turmas de amigos. Quase começando o filme, deveria ser o ultimo trailer e ninguem havia chegado perto dela. Seria o momento de tomar a atitude novamente?
Abandonar o barco é fácil, mas embarcar em outra...ela pensava, ponderava, somava A com B, a distancia de cada caminho...variáveis da vida.
Nessa confusão mental toda entrou um sujeito pela porta da sala do cinema, notou um espaço e ao chegar perto, recebeu um sinal, ela havia acenado que ao seu lado estava um lugar vago. Para lá se deslocou o sujeito, bem ao lado da garota e sua parafernalha de comer e beber.
O filme foi um lixo, o sujeito não era nada oculto, tratou de aparecer, comeu muitas pipocas, exalou seu bafo, bochechou com coca e grudou nos ombros da guria exaurida.
Problemas, abandonar o barco novamente, mesmo sem ter terminado a sessão foi ao banheiro, mas não pode voltar, era tarde da noite, shopping vazio, bateu uma certa depressão. Só lhe restava voltar ao lar.
Permitiu-se mais um instante de auto indulgencia e pegou um taxi, as ruas vazias agora lhe torturavam, ela estava um passo a frente das pessoas que iriam deixar a sessao de cinema. Mas era sempre assim que ela se sentia, um passo a frente ou 2 atras, tanto faz, isso a deixava sozinha sempre.
A opção taxi foi tomada, cochilou rapidamente, e ao abrir os olhos tinha sua porta aberta em fronte ao seu lar, lar, quer lar? Ah sim, seu buraco. Foi se esconder após pagar sem gorgetas.
Entrou debaixo das cobertas, o silencio nao era silencio, os ruidos externos apavoravam demais, metal sobre rodas, gritos de torpor, corpos cheios de combustivel, praças imundas, corpos cascudos se movendo sob arvores que tiveram a má sorte de nascer e prosperar em áreas sombrias.
O medo vinha de dentro, a rejeição parecia constante, uma rejeição sem palavras. Palavras, elas eram tão necessárias agora naquele quarto, palavras alí dentro, elas precisavam circular, parede com parede.
Ligou o som, ligou o computador, ambos conectados, um com todos os seus arquivos sonoros, e o som como voz para bits tocarem. Criou um play list inteiro com os melhores discos que tinha, e deixou as vozes ecoarem, quicando nas paredes e caindo dentro de seus ouvidos.
Estava eu alí com ela, estive acompanhando essa garota hoje desde que ela saiu de seu trabalho, e pude sentir suas angustias, pude sentir quando ela sentiu amor por pessoas que nem conhecia. Senti seu corpo respondendo enquanto ela comia um enorme bombom com muito chocolate.
Alí naquela noite, dentro daquele quarto pude sentir que nesta cidade haviam muitas garotas que deixaram seus lares, que largaram suas famílias, estavam sem a delicadeza de suas mães e sem a proteção de seus pais. E pensei que elas mereciam um bom homem junto delas, em seus quartos, um homem de voz suave e rouca, um homem no sentido digno da palavra que estivesse em pé olhando ela pegar no sono.
A voz rouca vinha das musicas que ela ouvia e se deliciava, este era seu homem no momento. Aos poucos ia aquecendo e abafando os ruidos assustadores da grande cidade. E ela foi posta para dormir.
Pedi permissão e adentrei em seus sonhos, queria completar o vazio de sua alma cansada.
Ela estava agora de volta a sessão de cinema, os trailers tinham passado e apareceu o título do filme : "Amor Acrônimo". Um sujeito entrou na sala, e cambaleante caiu na primeira poltrona livre. Um outro adentrou, subiu e subiu, passou por sua fileira, mas desceu, entrou e sentou ao seu lado, pediu licença e acomodou-se, tentando fazer o mínimo de ruidos possivel.
Ela, curiosa empurrava os olhos o máximo que podia, para espiar as reações e traços da face de seu distinto companheiro de sessão. Ele, por sua vez mantinha-se quieto, comportado apenas tentando se mostrar íntegro.
O clima era estranho, como se o ar estivesse transmitindo sensações aos 2, partículas reticentes iam e vinham, se envolviam, dançanvam e trocavam de dono. Mesmo sem que isso pudesse ser visto era sentido, dava vontade de piscar mais, a vista parecia turva, os pescoços começaram a se mexer e os olhares se cruzaram mais de uma vez.
Apesar de nada realmente aconcetecer para todos naquela sala, ela sentia conforto ao estar com ele ao seu lado. E assim prosseguiu o filme, a sensação era mais importante e imponente que qualquer atitude.
Finita a exibição, esperaram os créditos finais, atores empregados, músicas tocadas, e fim do rolo...levantaram-se lado a lado, sorrindo, achando graça daquilo que só eles sabiam.
Mão com mão grudaram então. Sairam da sessão meio amortecidos, ela se sentindo tranquila por não estar sozinha, e com um mão tão macia lhe confortando. Oferecia ela também sua mãozinha de guria pequena e frágil.
Ele se sentia responsável por aquele ato. Mas mais que isso, sentia também um conforto em sua alma, caminhavam ambos sobre colchões, olharam juntos para o chão do shopping e riram novamente, não falavam, apenas percorriam o caminho que muitas vezes tinham feito sozinhos ou mal acompanhados.
26 março, 2010
Espaço para respirar, espaço para acomodar, confortar
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Um comentário:
Não é pq tá indo pra europa que é pra abandonar o blog, viu??
ainda passo aqui pra ver se tem coisa nova. :)
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